segunda-feira, 28 de setembro de 2009

adeus a Nazo Silva

Agora, como diria Guimarães Rosa, Nazareno Silva encantou-se... Virou estrela nas noites eternas da nossa terra paraense.

O projeto que ele cuidou com tanto carinho para as crianças marajoaras, não pode parar! Doravante deve ser o PROJETO NAZO SILVA.

Viva Nazo, companheiro das estrelas do céu da memória no panteão popular junto ao Gallo, Dalcídio, João Viana e tantos outros seres encantados amazônicos.

até por lá, parceiro, algum dia...


2009/6/1 Assessoria Cultural O Museu do Marajó <omuseudomarajo@hotmail.com>
Caros amigo, nós do Projeto " Musica no Museu, um caminho para as crianças do Marajó", realizará o 1° Encontro dos polos de musica da escola Pe. Giovanni Gallo. Polos da zona rural e os da cidade, gostariamos muito da presença de vcs, mas como estamos um pouco distantes, na Ilha do Marajó, Cachoeira do Arari, aguardamos a visita de vcs aqui pela ilha encantada, seria muito bom ter vcs por aqui, pra dividir a alegria com as nossas crianças. Dia 17 de junho de 2009, a gente espera por vcs. Grande abraço e fiquem com graça divina!!!!

Nazareno Silva
Coordenador: Musica no Museu, um
caminho para as crianças do Marajó

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Invenção da Amazônia

O Padre grande Antônio Vieira com a sua incrível História do Futuro, novinha em folha e batizada com as águas amazônicas encantadas pelo caruana do Bicho-do-fundo (Inconsciente coletivo), a reinventar o Quinto Império do Mundo ou o quinto dos Infernos, por necessidade e acaso, em imprevista aliança tupi-guarani da Terra sem mal, atirou no que viu e acertou no que não viu... Paresque a demanda do Santo Graal no alto-Amazonas, por “índios cristãos” e cristãos-novos à bordo da flotilha do capitão Pedro Teixeira, havia acontecido pouco antes em viagem redonda Belém-Quito-Belém (1637/39), a cabo de dois anos à força de 1200 arcos e remos tupinambás: a mão que escreve é escrava da cabeça e lavra letras, por linhas tortas e direitas, conforme o ditado da razão. Mas - na verdadeira verdade -, os olhos do coração fazem leitura das entrelinhas à procura do espírito da coisa...


Profetas e poetas do Apocalypso demandam a revelação psicodélica das Bachianas no país do vento, Amerika. Combustão de miolos ardentes de passadas e futuras gerações através da rede neuronal do estúrdio “Homo sapiens var. Tapuya” (curiosa taxinomia pospegada ao homem amazônico pelo sábio Alexandre Rodrigues Ferreira, de Coimbra, na Viagem Philosophica), nós outros aprendemos a ler e a escrever para desconstruir a santa madre e acidental Civilização. Iberiana, louca palavra antropofágica inventada numa tarde tropical do Cerrado, quando o tempo parece estancar no horizonte incendiado. Bumerangue temerário arrojado da Península Ibérica desvairada ao além mar, vai e volta com força sobre os mares do mundo. Fé cega, faca afiada, sangue e areia de tourada. Amor carnal, etecetera e tal, romance de dona Silvana nos campos alagados do Marajó, trópico úmido do carnaval devoto. O “algo mais” iberiano que irmana índio, preto e brancarana (apesar de tudo).


A doideira iberiana rima com Vilarana, esta é a vila que nem vila era... Aquela zorra, o vasto mundo das Amerikas latinas. Vilarana, flor do verde e vago mundo da nossa varja imaginária, o fim da estória que transfigura o Fim do Mundo no apocalítico Apocalypso domesticado em terreiros da sagrada Encantaria: contracultura pura contra a teoria do Caos. A Negritude geral (além da melanina) informa: o sítio Araquiçaua é lugar sagrado da utopia da Terra sem males, aonde o sol ata a rede do crepúsculo tecida de fios lendários do mito da primeira noite do mundo. Capital imaginária de todas Amazônias (físicas e alegóricas) na paisagem eco-psíquico-cultural do golfão marajoara.


De grão em grão, do Grão Pará, catei lendas pela contracorrente do Tocantins rumo ao Sul, antes que a barragem de Tucuruí metesse rolha de ferro e cimento ao rio abortando o milagre dos peixes na mesa dos ribeirinhos. A troco de alumínio ao ávido mercado capitalista. Dos rios Amazonas e Xingu levei na bagagem a lenda aquática capital de Cobra Norato e Maria Caninana (isto é, o Bem e o Mal do mundo amazônico encantado) até às Águas Emendadas, no planalto central dos Brasis. Daí, Brasília se disparte em alvoradas ao velho Chico, ao Prata através do rio Paraná e ao Amazonas pelo curso do dito rio dos Tocantins...


Em dezembro fui ao Rio de Janeiro. Marinheiro de primeira viagem, refiz os caminhos do meridionais, passei a galope de cavalo-motor por Minas. Chovia a cântaros quando descobri Nova Iguaçu, depois vi o Pão de Açúcar e o Cristo Redentor em riba do Corcovado iluminado pelo sol da manhã como um Inca de pedra, filho de Inti (Andes), o Sol quéchua. Na baía de Guanabara, Cobra Norato migrante nortista que nem eu flanando nas bordas de Copacabana, escondia no fundo das águas o segredo da invenção do Brasil e a razão geopolítica do tremendão Tupinambá mandar embaixada à corte de Ruão (França) com a idéia do Bom Selvagem como semente apimentada da Revolução... Logo, o Tupi da teoria passaria à prática, na conquista do lendário "rio das Amazonas"...


Em São Paulo de Piratininga, perdi a inocência historiográfica e maravilhosa do Brasil varonil (adquirida durante a infância na periclitante escolinha de Vilarana do Curralpanema), quando vim a saber - mais ou menos, por acaso, como sempre - que o Grito da Independência, na verdade, teria sido metáfora da descarga intestinal e emocional de nosso primeiro imperador... Poluição inaugural do riacho Ipiranga e alquimia barroca na transmutação da diarréia das Entradas e Bandeiras no ouro industrial até os transbordamentos da modernidade na lixeira aquática do Tietê...


Fiz, então, meia volta sem jamais atravessar o Prata para a Argentina (reinava dom Alfonsin em Buenos Aires sob o espólio da ditadura)... A coisa ainda estava feia no Uruguai. Andei uma tarde inteira em Montevidéu a procura da “Memória do Fogo”, Galeano não se vendia, disseram-me os livreiros, "por problemas políticos" (arranjei de contrabando, como lembrança, um livrinho de crônicas surradas)... Ainda fazia escuro ali, na antiga província Cisplatina e no país do pau-brasil, noite grande da América do Sul. Foi lá na beira do Rio da Prata que tive notícias da fabulosa "Santa Maria", de Juan Carlos Onetti... Me deu à telha, então, começar de memória a debuxar Vilarana ressurgida das águas amazônicas e dos escombros do Fim do Mundo. Caminho do feio é por onde veio... Voltei ao Norte pela estrada com parada em Porto Alegre (por acaso, recebido com graça de churrasco, chimarrão e gaita em saudação ao nômade do Pará...). Pelas margens do Guaíba andei com pensamento no romance proletário de "Linha do Parque", do marajoara Dalcídio Jurandir; caminhando sempre em busca de saber quem inventou o mundo.


De volta aos pagos, parei uns tempos no pais de Atipá (as Guianas ou El-Dorado). Aprendi a falar, um pouquinho, em kréol (crioulo), um tiquinho assim de taki-taki, compreendi que a Orinoquia está sempre viva e que os Boni, Saramakas, Paramakas, Djukas e outros “quilombolas” tinham lá um “papiamento” que se pode entender com português misturando inglês banana até Curaçao e Aruba, nas Antilhas holandesas... Vi que o profundo Rio Negro se despejou pelo circum-Caribe afora bem antes de Colombo! Eu já havia aprendido, outrora, de um camarada índio maquiritare, na beira do Uraricoera (alto Rio Branco), que aquela gente antiga sabe escrever e ler nas estrelas o nome dos heróis junto aos deuses no círculo equinocial celeste. Ri-me cinicamente da adorável literatura de Guimarães Rosa, que eu havia canibalizado, em vão, em horas mortas pelas bibliotecas de Brasília. É verdade, gente não morre: encanta-se e vira estrela do fundo do mar ou do céu profundo (que são a mesma coisa, paresque)...


Longo e avesso percurso do caboco, desde o Fim do Mundo até o fim da estória geral... Assim chegou o dia que (por acaso) vi de perto pra contar de certo, moinhos de vento da velha Holanda dos pecados coloniais do Marajó de meus avoengos (os verdes campos de que fala Alfredo na primeira página de "Chove nos campos de Cachoeira" estavam escuros sob o manto de inverno; por mais um de tantos outros acasos, aquele era dia de aniversário de nascimento do escritor do Extremo-Norte...). Obsessão comparativa das terras-baixas na antiguíssima engenharia dos tesos arqueológicos dos campos alagados na ilha do Marajó, terra de minha avó tapuia Antônia Silva. Os caciques Nheengaíbas erraram o cálculo ao aceitar a falsa pax que Portugal lhes ofereceu através da embaixada de dois índios cativos à ordem do Payaçu Antônio Vieira, sem mais meios de vencer a guerra amazônica de 44 anos tormentosos? Quando os índios das ilhas, com superioridade de armas e população, podiam atacar e arrasar os dois fortes portugueses do Pará e sufocar a esgotada aliança luso-tupi; e manter a amizade e comércio da Batávia no Amazonas, que durava mais de 60 anos!!!...


O vento frio a girar, lentamente, os moinhos do tempo me alertou em pensamento: se não fora aquele enorme "erro" histórico dos índios meus antepassados esquecidos, não teria havido (por acaso, outra vez!) o acertado fato geográfico que engendrou o gigante Brasil no rio das Amazonas... Quanto a mim, tímida testemunha sem eira nem beira da invenção da Amazônia pela margem esquerda da História; também eu não estaria ali àquela hora a aprender mais uma lição do casamento da necessidade com o acaso: nem nunca teria vindo ao começo ou fim do mundo.


Para fechar com selo particular esta estúrdia viagem filosófica, prossegui na volta a casa até Paris onde o caboco velho quase morreu ao subir, bestamente, a escadaria da ladeira de Montmartre, quando podia ir pelo elevador. Foi que nem na infância distante, em Vilarana, digo, Ponta de Pedras; quando na maré cheia o rio Marajó-Açu queria me afogar ainda jito talvez por saber a "peça" que eu viria a ser... Escapei do abraço fatal da Boiúna, mãe do rio, e de ficar encantado no fundo, paresque, com ajuda providencial de um colega pretinho, que nadava feito peixe e me matava dfe inveja... Salvou-me o companheiro negro talvez para o branquelo artioso inventar estórias sem fim do Fim do Mundo. Do mesmo jeito na diáspora, na lendária terra de Asterix, ainda não findei meus dias para saber mais um pouco da desatada história que me havia tocado das ilhas do Marajó mundo afora a fim de saber, de fato, quem inventou o mundo... Sentindo me faltar o ar e os pés a pesar como chumbo afundar na aba da serra, consegui a custo chegar lá em riba na altura onde o cruzado basco Ignácio de Loyala formou os primeiros soldados-monges de Cristo, destemidos caçadores de almas alheias. A conquistar as Índias e respectivos "índios" para a Cristandade (dentre os quais ali me achava des-convertido não mais por acaso, como outrora os parentes se converteram em "índios cristãos"; mas ainda pela necessidade de sobreviver no mundo Cão da colonização...).


Do alto átrio do Sacré-Cœur desfeito em luzes vi o sagrado coração de Paris aos pés de Montmartre sob névoa cinzenta rendada de lendas antigas e modernas. A luxuosa imagem da cultura não me era mais impressionante, todavia, que a paisagem natural vista do alto da cordilheira Parima, na Amazônia, donde eu vi no vale o império do El-Dorado esmaecendo ao fim do dia como outrora um profeta primitivo vislumbrava a mítica Terra sem Mal. Os começos do mundo sobre o verde da floresta imensa confundiam-se com o mistério do azul a se perder na amplidão. A solidão da serra virgem na distância estava povoada de vida por todos os poros; enquanto em meio à multidão de turistas apressados de Paris a civilização envelhecia e se cansava da caminhada para o alto da torre de Babel, paresque.


Então, com o célebre estalo do padre Vieira ou o eureka de Arquimedes na mente; de repente comprendi a razão de Oswald de Andrade precisar ir a Paris para se iniciar na Antropofagia ritual do bon sauvage... Do mesmo modo, desvendei o sentido lógico do pajé Ianomami a dizer que ele com seus confrades seriam capazes de salvar o mundo dos brancos: Pajelança (ou resiliência da biosfera) oblige... Dia seguinte visitei o palácio de Versalhes. Era domingo de céu límpido e frio glacial, o vazio relinchava no lombo do vento como um cavalo selvagem dentre colunas de um templo em ruinas, tão diverso da solidão primordial na arquiterura geológica do Parima. Onde estavam todos protagonistas e figurantes do ancien régime? A Bastilha, pelo menos, estava viva com gente ocupada em comer fast food sem querer saber mais da Revolução...


Afinal, na despedida, ouvi (por acaso) a temível questão: "do Brasil há de sair uma civilização para o mundo futuro?" Não sei responder nem ninguém jamais saberá dizer com certeza. Mas, ao (re)ver o peso da invenção da Amazônia e a inacreditável saga do bon sauvage em busca da Terra sem Mal com a embaixada do tremendão Tupinambá à corte do rei Henri IV, que Montaigne falou como sugestão da revolução de 1789, não hesito a proclamar: je crois!