domingo, 26 de setembro de 2010

a construção do país dos nossos sonhos

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há 80 anos, a revolução brasileira de 1930 fazia contraponto à crise mundial cujo clímax foi a quebra da bolsa de Nova Iorque, em 1929. Desde 1922 o movimento político-militar dito Tenentismo prenunciou o desfecho de 1930, que contou com diversas correntes políticas, a maior parte era composta por capitães e tenentes donde se originou o ideal de "Soldado Cidadão".

O movimento deslocou-se pelo interior do país pregando reformas políticas e sociais combatendo o governo de Artur Bernardes e, depois, de Washington Luís. Em tal conjuntura destacou-se a Coluna Prestes em marcha pelos sertões do Brasil a denunciar a miséria da população e a exploração das camadas mais pobres pelos donos do poder econômico, social e político.

A Coluna Prestes, com o comando principal de Miguel Costa e Luís Carlos Prestes, chefe de estado-maior; enfrentou tropas regulares do Exército ao lado de forças policiais de vários Estados, além de tropas de jagunços armados por latifundiários. A Coluna Prestes percorreu 25.000 quilômetros pelo interior do Brasil, durante dois anos e meio. Apesar dos esforços, a Coluna Prestes não conseguiu adesão da população. A longa marcha foi concluída em fevereiro de 1927, na Bolívia, perto da fronteira sem realizar seu objetivo imediato de disseminar a revolução. Todavia a semente ficou plantada em solo fértil até a alvorada da democracia popular na América do Sul nos nossos dias. O texto a seguir da lavra do "índio sutil" marajoara Dalcídio Jurandir, evocando a mensagem da Coluna Prestes, foi premonitório da emergência democrática do Brasil. Uma oportuna reflexão para os eleitores de 2010 no contexto da crise econômica internacional e o extraordinário sucesso do Presidente Lula deixando o Palácio Alvorada em alta popularidade no país e exterior.


A Marcha de sua Coluna
Dalcídio Jurandir

Muitas vezes, no silêncio do subúrbio, cheios de perguntas, queríamos, em meia hora de discussão, salvar a nação e o mundo. Pesava em nossos ombros o Brasil, como se carrega-lo fosse responsabilidade ùnicamente nossa, de jovens suburbanos. Pesava em nós, enorme e irrealizado, como um país em projeto. Tínhamos a pressa dos adolescentes, queríamos construí-la com urgência.
Era uma noite de outubro, quente, com um grande céu anunciando a lua. E esperávamos, com a nossa insônia cívica, velando para que o país não se precipitasse, de uma vez para sempre, no velho abismo e á espera de ver, de repente, em nossas mãos, como um milagre, o Brasil que sonhávamos.
Havíamos discutido com intolerância e a certeza de que éramos infalíveis. Cada um de nós acreditava que bastava a nossa pureza, o nosso ar bíblico de José, o predestinado, para que pudéssemos instalar pelo Brasil universidades, celeiros e parques industriais. Deveríamos varrer do Catete as velhas águias sinistras que viviam roendo o país e, quando falávamos dos políticos dominantes, sentíamos logo um mau cheiro a envolver-nos, insuportável. Tínhamos, com efeito, por todos eles, um horror solene. Assim discutíamos com a nossa imaginação, sobretudo com a nossa audaz e transbordante ignorância.
Nessa conspiração gratuita, tão febrilmente necessária para a nossa presunção juvenil, alguém disse um nome, que soou, breve e denso, como viesse, de confidência em confidência, de distâncias e multidões que atravessava.
- Prestes?
Repetimos o nome como uma pergunta que, de súbito, nos pareceu naquela hora a essência de todas as nossas interrogações e de nossa ansiedade.
Como ninguém falasse, olhamos a lua que saia, macia e gorda, sobre os quintais cheios de bananeiras. Um galo veemente cantou perto. Dava-nos a lua a impressão de que saia para indicar-nos os caminhos percorridos pelo homem legendário, as seis mil léguas que uma coluna de fabulosos caminhadores havia pisado, abatendo generais, rompendo cercos, dona da distancia e do heroísmo.
Prestes já não caminhava pelo sertão. Desfeita, a Coluna no entanto, agora é que começava a andar em nossos corações. Todos os nossos apelos dirigiam-se a ela ao homem que víamos de barba grande, sério e misterioso, nascido da ação e do triunfo. Se havia um homem assim, que vencia o próprio simbolismo do seu nome, para permanecer intacto, ativo, rico de nossas esperanças, era porque o Brasil o merecia. A confiança no homem brasileiro aumentava em nossas cogitações algumas vezes pessimistas ou desalentadas. A Coluna abrira um sulco de legenda e de história, os seus cavaleiros se cobriam de uma realidade crescente e à frente deles, constante em nossa fé e em nosso cuidado pelo Brasil, estava Luiz Carlos Prestes.
Quando poderíamos avistar, de novo, nos mesmos caminhos percorridos, nas montanhas conquistadas, nas cidades libertadas, o cavaleiros intrépido? Quando poderíamos apertar a mão do comandante que passou a encarnar idéias nossas, sentimentos, confianças, o desvelo que a nossa adolescência sofria pelo Brasil?
Os anos correram e os acontecimentos vieram mudando a história, abrindo para o gênero humano um caminho que não sonhávamos naquelas noites, pois maior que nosso pobre sonho suburbano de adolescentes é a ação do homem.
E uma noite, na casa de um poeta, pudemos ver o homem simples e legendário que nos apertou a mão.
No XXX aniversário da Coluna, Prestes em seu novo caminho, o caminho revolucionário que transforma o mundo, á frente do seu Partido que se converte em centro da nova realidade brasileira, faz ressoar a grande voz da classe operária e das massas camponesas. Surgirão no Brasil os novos tempos agora anunciados por Prestes e será construído o país que desejaríamos construir outrora apenas com os nossos sonhos.
Obs: Jornal não identificado.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Cultura Marajoara: arte primeva e direito territorial brasileiro na Amazônia

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graças à Amyra El Khalili, através da Aliança RECOs
Redes de Cooperação Comunitária Sem Fronteiras; o caboco que vos fala teve oportunidade de colaborar na Edição nº 52 julho/agosto 2010 do periódico da www.editoraforum.com.br Fórum de Direito Urbano e Ambiental (FDUA), especializado no estudo do Direito Urbano e Ambiental abordando temas relacionados a crimes ambientais, estatuto da cidade, biotecnologia, biossegurança, direito ambiental agrário, gestão de águas, licenciamento ambiental e urbanístico, operações urbanas consorciadas, saneamento básico, regularização ambiental; contando com doutrina de renomados especialistas além de seção de jurisprudência selecionada.

na referida edição o periódico FDUA apresenta os seguintes artigos: “Commodities ambientais”: um novo paradigma econômico-financeiro para o Oeste de Santa Catarina, de Amyra El Khalili. A ausência de marcos legais em matéria sanitária no Brasil: por uma bioética aplicada, Cláudia Fernanda de Oliveira Pereira; Terrenos de marinha: trilhas para uma função social, Daniel Araújo Valença; Cultura Marajoara: arte primeva e direito territorial brasileiro na Amazônia, José Varella; Os bancos e a responsabilidade ambiental, Rodrigo Pereira Porto; Política Nacional de Resíduos Sólidos (visão geral e anotações à Lei nº 12.305, de 02.08.2010), Toshio Mukai; e Gestão metropolitana no Brasil: perspectivas com a aprovação da lei dos consórcios públicos, Vera Maria Melillo Lopes dos Santos Gamarski.

o fato do responsável por este blogue figurar no seleto grupo de colaboradores do FDUA é gratificante para ele que se mete, sem mandato nenhum além da sua própria consciência, a ser arauto duma gente sem eira nem beira ilhada no fim do mundo. Porém menos mérito do velho articulista e mais a recompensa da resistência da gente marajoara da qual o dito escrivinhador se orgulha em fazer parte. Povo esse que apesar de todas derrotas diante das adversidades, na verdade nunca foi vencida e ainda luta pela preservação da cultura imaterial, cujos monumentos deixados a esmo resistem como mudos testemunhos de 1500 anos de idade da primeira cultura complexa da Amazônia.

agora chegamos à segunda década do terceiro milênio e o Brasil retumbante ainda não despertou para o fato de que somos o maior país amazônico do planeta graças, justamente, à luta desta brava gente em querer ser parte integrante do gigante da América do Sol (tropical). Algumas vezes Marajó é apontado como território piloto do plano "Amazônia Sustentável" e um dos 120 Territórios da Cidadania, por onde o Brasil corre contra o relógio a fim de cumprir as Metas do Milênio (2015) da ONU.

O arquipélago do Marajó é aspirante a reconhecimento pela UNESCO na lista mundial de reservas da biosfera. De acordo com a Constituição do Estado do Pará (parágrafo 2º, VI, art. 13), se distingue das mais regiões paraenses e, por isto, deveria ter um regime especial. Aliás, justificado cientificamente pelo bioma fluviomarinho que representa, sobretudo pela ocorrência da mais importante herança cultural precolombiana do Brasil no contexto do patrimônio da humanidade. A bem da verdade, entretanto, devemos reconhecer que Marajó teve que esperar durante duas décadas além da redemocratização do País (1988) para ver os primeiros passos de reconstrução do imenso tempo perdido.

de fato, a partir de 2003, pela primeira vez, a chamada "Criaturada grande de Dalcídio" [populações tradicionais retratadas na obra premiada do romancita da Amazônia, Dalcídio Jurandir] começou a receber atenção oficial através de política pública federativa integrada entre União, Estado e os 16 Municíprios da mesorregião geográfica, notadamente o "Plano de Desenvolvimento Territorial Sustentável do Arquipélago do Marajó (PLANO MARAJÓ)" e programa Territórios da Cidadania - Marajó.

todavia, não se pode tapar o sol com peneira: se tais iniciativas históricas representam mudança extraordinária em relação há mais de três séculos e meio de marginalização e opressão colonial, inclusive em pleno regime republicano; por outra parte tudo que já se fez nos últimos sete anos é pálida empresa diante do muito que deve ser feito e do tanto que se poderia realizar, caso esta região amazônica emblemática fosse considerada e estudada a fundo como merece.

Por fim, a nação brasileira carece saber que se, por infelicidade, a gente perdesse tudo que nos últimos anos foi feito no sentido da conservação da Amazônia brasileira e apenas restasse disto a regularização fundiária integrada ao licenciamento ambiental comunitário (com ênfase no Projeto NOSSA VÁRZEA em terras públicas da União, assegurando direitos ancestrais dos povos originais e seus descendentes tradicionais) ainda assim restaria um reduto capaz de re-suscitar a resiliência da ecologia humana na região. Ou seja, sem regularização fundiária da Amazônia como fundamento do desenvolvimento sustentável a pilhagem continuará e o desastre colonial não terá fim. Não importa quão "desenvolvido" venha se tornar o "celeiro do mundo" profetizado por Humboldt.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

A Cultura Marajoara: símbolo maior do Estado do Pará na República Federativa do Brasil

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hoje, 7 de setembro de 2010; completa 7 anos da CARTA S.O.S LAGO ARARI endereçada com abaixo-assinado ao Presidente Lula no dia 7 de setembro de 2003, durante a Exposição Itinerante do MUSEU DO MARAJÓ em Santa Cruz do Arari. Pediu-se em nome de todos marajoaras que a ancestral CULTURA MARAJOARA de 1500 anos de idade seja levada na devida consideração em seu contexto socioambiental contemporâneo, pelo qual o lago berço da civilização amazônida deve ser declarado patrimônio natural da humanidade e a APA-MARAJÓ reconhecida pela UNESCO como reserva da biosfera.

a história do MUSEU DO MARAJÓ é referência da luta e resistência do povo marajoara para fazer parte da nação brasileira. Muitos brasileiros distraídos acreditam que o Marajó é "uma" ilha do Amazonas... E, se não bastasse, há paraenses que acham que o símbolo do Marajó é o búfalo. Animal útil, porém rústico e ignorante dos sítios arqueológicos, os tesos; onde homens pobres e analfabetos vagam carregando a pecha de "ladrões de gado" e o dito animal pisoteia "cacos de índio" deixados ao chão depois do arrombamento e do saque dos tesos de cerâmia pré-colombiana.

A primeira resposta do Presidente àquela improvisada carta veio por intermédio do IPHAN com o "Inventário Nacional de Referências Culturais - MARAJÓ" (levantamento preliminar, Ilha do Marajó, Pará - 2007). Pouco depois, em atendimento à demanda da sociedade civil encaminhada pelos dois bispos da igreja católica do Marajó (2006), a Casa Civil da Presidência da República organizou e coordenou o Grupo Executivo Interministerial de Acompanhamento das Ações de Desenvolvimento do Arquipélago do Marajó (GEI MARAJÓ)destinado a atender ações de emergência e a elaborar o PLANO MARAJÓ, lançado em 2007 e complementado em 2008 pelo programa Territórios da Cidadania - Marajó.



das ações emergênciais destacou-se o Projeto Nossa Várzea de regularização fundiária, coordenado pela Secretaria do Patrrmônio da União (SPU), que já atendeu a mais de 30 mil famílias ribeirinhas, antes deixadas em situação de servos da gleba por supostos "patrões" que decidiam sobre quem podia ou não morar em terras da União e extorquiam a produção extrativista de pobres cabocos sob vistas grossas do poder oligárquico local.

quer dizer, embora todo este longo processo de resistência e luta da gente marajoara que vem de muito longe e ainda está no "meio do caminho", tem nos governos Lula e Ana Júlia uma mudança histórica fundamental sem precedentes. Carece, pois, conscientizar o povo para não deixar perder o terreno duramente conquistado.

É HORA DE RECLAMAR O TOMBAMENTO DA CULTURA MARAJOARA COMO PATRIMÔNIO NACIONAL IMATERIAL E SÍMBOLO OFICIAL DO ESTADO DO PARÁ.

. Com esta providência, a identidade e empoderamento democrático do território estará assinalado e o motivo para tanto está na arqueologia amazônica que, com respaldo científico, garante ser a arte marajoara a primeira cultura complexa da Amazônia. Com que também o Caboco do Marajó reitera aos candidados de 2010 sua Petição número 4, a seguir:

Petição 2010 [4]
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4 - Casa de Dalcídio & museu do Gallo: mãe de todas pelejas

Comparável a uma tragédia grega, a incrível história do Museu do Marajó e casa de Dalcídio Jurandir, em Cachoeira do Arari, enaltece a luta da brava gente marajoara. Mas, ao contrário, desde décadas mancha crescentemente a figura de autoridades por falta de atenção e informação competente. Ao mesmo tempo que não cessam de falar sobre certa Amazônia que se reduz unicamente à floresta amazônica com bichos e árvores de madeira de lei em extinção, num “paraíso”, onde o homem seria apenas intruso.

Por fim, surgiu na mídia a novidade da Amazônia “azul”, mas como dizem parecem ignorar a enormíssima faixa barrenta costeira dos manguezais. O rio Amazonas correndo dentro do mar, amarelando as águas, cobrindo de tijucos e arvoredos tantas praias das Guianas, rica biodiversidade com o milagres dos cardumes. Desta Amazônia atlântica não se fala da área cultural guianense (que vai do arquipélago do Marajó na foz do Amazonas até o delta do Orenoco (Venezuela) fronteiro às ilhas de Trinidad e Tobago, no Caribe.

Por que medalhões da república dariam alguma importância a uma velha casa em ruínas do tempo e espaço onde personagens de romances sumidos do mercado de livros moram debaixo de chuvas e esquecimento? Qual o interesse em salvar um museu do fim do mundo (onde a vingança dos cupins consiste em comer tamanduá empalhado), depois que seu criador implodiu numa quixotada sem par? Se até mesmo o extremo norte tupuia não interessa a formadores de opinião, nem tem sentido a expressão etnológica e ecológico-econômica nas grandes corporações a Corrente das Guianas formada pela fusão do barrento Amazonas à Corrente Equatorial Marítima em direção ao Golfo do México e o mar do Caribe.

Pobres cabocos analfabetos de pais e mães mariscadores de mangue da Contracosta, apanhadores de açaí da varja (sic), pescadores do Cabo do Norte e do lago Arari. Quem era por vós, outro dia, se não aquele estúrdio escritor da “criaturada grande” ou o padre Gallo nas palafitas da vila do Jenipapo? Arvorado a defender “ladrões de gado” inexistentes para registro civil, de quando em quando achados só para meter na cadeia ou dar fim entregues aos urubus na “jebre” (matagal) donde nunca deveriam ter saído. Mas Dalcídio Jurandir e Giovanni Gallo já morreram... Como também é finado o camarada da regularização fundiária da nossa várzea, Neuton Miranda; aquele um que nem El Cid caído em combate, lá pelas barrancas do Tapajós. Aonde ele se acabou a serviço do País, cenário de biopiratas e exploradores de trabalho escravo, mina da sorte onde foras da lei costumam fazer fortunas. E agora, José? E agora esta gente, quem será por nós?

Aqui está o problema maior: manter a gente em “santa” ignorância em meio a um universo sensível e complexo, que só poucos especialistas conhecem de fato além da imprudência impatriótica que poderia ser equiparada a crime de lesa humanidade. Há milhares de anos, o homem amazônida ocupa as regiões do trópico úmido da América do Sol: continuum histórico do paleoíndio ao caboco na passagem da Natureza à Cultura. Cerca do ano 400 da era cristã, na ilha do Marajó, criou-se a civilização neotropical marajoara (cf. Ann Roosevelt, Denise Schaan e outros).

O Brasil democrático do século XXI ainda não se deu conta deste fato incomparável para exercício de uma política descolonizadora para valer. Nós não encaramos a sério o passado colonial e sua brutal redução de línguas e culturas dos “índios”. Os “índios”, “quilombolas” e congêneres ainda são os Outros do “nosso” Brasil varonil e neoeuropeu... A cultura tradicional da “Criaturada grande de Dalcídio” (cf. Eneida de Moraes) (cabocos descendentes daqueles indígenas exilados dentro da própria terra natal), continua sendo estranha ao “paraíso ecológico”; marginalizada tal qual os avoengos “nheengaíbas” outrora sem ter quem a defenda de verdade.

As metrópoles subiram em direção ao reino das nuvens: ignoram o solo que as sustenta. O resultado é que a elite urbana não sabe, além da teoria, fazer as devidas conexões da geografia com a história, não vê o “universal” através do “regional”, fala em transversalidade sem compreender que “global” é abstração e só o “local” é real.

O Marajó, com seu desamparado polígono de sítios arqueológicos onde búfalos e crianças povoam a paisagem cultural na microrregião Arari, é patrimônio natural e cultural com a dimensão de um museu aberto diante da indiferença da elite e imensa ignorância nacional. Assim, a dramaturgia brasileira com louvável exceção de teimosos militantes paraenses do cinema pobre e do cineteatro da Resistência Marajoara, perde chance de explorar filão incrível cujo ícone é o “índio sutil” homenageado por Jorge Amado.

A tragédia marajoara resulta de grave e secular equívoco político – denunciado já em fins do século XIX, pelo Barão de Marajó, sem encontrar o remédio necessário – que, todavia, deverá ser remediado agora com a união democrática de todos municípios, do Estado e governo federal no sentido de criar a fundação que era sonho de Giovanni Gallo, conforme ele deixou escrito na sua obra dedicada aos artesãos e artistas continuadores da arte marajoara tradicional (“Motivos Ornamentais da Cerâmica Marajoara”).

O sonho do padre insubmisso poderia ser uma “Fundação Marajoara Giovanni Gallo”, com a missão de dar amparo público especializado em parceria com a comunidade marajoara de municípios e o trade de turismo e cultura visando a fortalecer e sustentar o museu em conjunto com a casa de Dalcídio Jurandir, em Cachoeira do Arari, com extensão a todos municípios do Território da Cidadania. Deste modo, será o Homem marajoara que estará amparado pelo Estado brasileiro, com os cuidados revelados por Dalcídio Jurandir, o qual considerava as populações tradicionais sua “Criaturada grande”. Populações estas vistas como remanescentes de antigos criadores da civilização neotropical marajoara, cujos vestígios se acham nos tesos (sítios arqueológicos).

Bom há de ser se futuros eleitos de 2010 tomarem nota desta petição marajoara sabendo, enquanto candidatos, que o velho Marajó deve ser especialmente contemplado quando Brasil e Unesco acabam de formalizar a criação do Centro Regional de Formação para Gestão do Patrimônio, no Rio de Janeiro. Cidade mundial onde o Museu Nacional guarda cerâmica marajoara arrancada do arrasado teso do Pacoval (não longe da modesta vila do Jenipapo, que em 1972 viu nascer o Museu do Marajó a partir de “cacos de índio” deixados por terra durante os repetidos saques que o teso do Pacoval sofreu desde a segunda metade do século XVIII).

Tal qual o Museu Nacional, outras instituições brasileiras e estrangeiras teriam posse de coleções tiradas do Marajó. Já se fala em repatriamento de peças levadas ao exterior: mas o Marajó não se acha preparado nem para tomar conta do que restou até agora da antiga Cultura Marajoara. O ministro brasileiro da Cultura, Juca Ferreira; é presidente do Comitê do Patrimônio Mundial da Unesco, e se reuniu com a diretora-geral da Unesco, Irina Bokova, para assinar o acordo de criação do referido Centro como resultado de esforço brasileiro para a cooperação técnica internacional, aprovado na 35ª Conferência Geral da Unesco, realizada ano passado na França.

Carece superar nosso velho complexo de inferioridade! Pode-se considerar, de fato, Marajó um universo ecocultural dotado de singular patrimônio imaterial a partir de sua mitologia, folclore, danças, rezas, ladainhas, festividades, culinária típica, saberes e fazeres que estão ameaçados de perder e que poderiam gerar emprego e renda com potencial de ecoturismo de ponta como jamais foi tentado nesta região amazônica.

A criaturada grande que povoa o romance dalcidiano se acha imortalizada também no Museu e pode ser vista, com engenho e arte, “com as pontas dos dedos”. O abandono público de tais riquezas é continuação da “Tragédia e Comédia de um Escritor Novo do Norte”, segundo Dalcídio Jurandir (“E naquela noite da Aldeia, num banco no terreiro, tomamos o tarubá, bebida da terra e do povo. Não me esquecerei nunca da Aldeia.“). Sutil declaração de militância e combate, em Santarém, a serviço do censo demográfico ao comemorar por acaso o primeiro prêmio nacional do autor marajoara, dado ao romance “Chove nos campos de Cachoeira”.

Trata-se aqui de uma concepção de planejamento regional estratégico no qual o desenvolvimento cultural (não mais a simples extração de recursos naturais e exploração da força de trabalho) induz o desenvolvimento sócio-econômico dos 16 municípios marajoaras integrados a um só território geograficamente consolidado a partir da época pré-colonial. Todos estes 16 municípios são ricos em conhecimentos tradicionais integrados à biodiversidade, todavia política e culturalmente diversos.

A arqueologia marajoara reclama proteção como “o mais importante material arqueológico brasileiro” (cf. Heloísa Alberto Torres, ex-diretora do Museu Nacional, revista do IPHAN, 1937), a partir do Marajó poder-se-á implantar programa nacional de proteção a sítios arqueológicos do País, levando a sociedade em geral a compreender melhor a antiguidade pré-colonial como parte integrante e substancial da História do Brasil. Deste modo, deixaríamos de lado o mito do “país jovem” para o Brasil mais antigo e seguro de seus direitos e deveres na Amazônia.