sábado, 30 de outubro de 2010

O que a Criaturada grande de Dalcídio tem a ver com o Protocolo de Nagoya?

Pra lá de 2020, se um jovem marajoara que está fazendo vestibular agora chegar a PhD no futuro e fizer pesquisa sobre a diversidade cultural e biodiversidade da Amazônia, com certeza, vai encontrar muita coisa que a quixotada do velho caboco levanta por este meio eletrônico a partir de sua trilogia de ensaios iniciados na "Revista Iberiana" (José Varella Pereira, Secult: Belém, 1999): "Novíssima Viagem Filosófica" (1999), "Amazônia Latina e a terra sem mal" (2002) e "Breve História das ilhas do Marajó" (2005, inédito).

A Cultura Marajoara é a alma e o coração do beneditino porém ambicioso trabalho de vida deste vagamundo que vos fala. A ponto do "eterno ministro da cultura" de Mitterrand, Jack Lang; ao fim de visita, em 2005, à ilha do Marajó declarar -- como elogio à paixão a uma causa coletiva -- em presença de diversos acadêmicos reunidos na reitoria da Universidade da Amazônia (UNAMA), que aos meus olhos a ilha do Marajó é o "centro" do mundo. Trata-se de pura verdade!

Mas, a verdade absoluta é que eu não faço mais que minha obrigação em qualidade de discípulo bisonho do "índio sutil" Dalcídio Jurandir e do "marajoara que veio de longe" Giovanni Gallo. Daí meus agradecimentos sinceros à Maria Dorotéa de Lima, Superintendente da 2ªSR/IPHAN, que ao entregar ao povo marajoara o "Inventário Nacional de Referências Culturais" [Ilha do Marajó - levantamento preliminar - 2007]registrou meu modesto nome entre os referidos mestres. Um gesto de bondade e incentivo com grave responsabilidade!

Do pouco que aprendi destes meus dois mestres marajoaras, devo reafirmar sem receio de aborrecer aos doutos, o seguinte: Sem desenvolvimento cultural amazônico não há descolonização nem desenvolvimento que se sustente na Amazônia. E mais: Biodiversidade apartada da Diversidade Cultural da região é lenda, equivaleria a expulsar para sempre o Homem do Jardim do Éden perdido e renunciar ao sonho antropoético de Milton, o mito de Adão e Eva redimidos na memória da humanidade.

Isto posto, em nome da Criaturada grande de Dalcídio [populações tradicionais amazônicas], com o particular prazer de registrar o empenho de Edna Marajoara (Edna Costa e Silva), minha conterrânea de Ponta de Pedras, em dar voz a esta gente na CDB; saúdo o notável avanço histórico alcançado pelos países signatários do recente Protocolo de Nagoya (Japão), cujo êxito tem o Brasil em posição de vanguarda. [Belém-PA, 30/10/2010 - José Varella Pereira]. Ver adiante:



Acordo dá a países 'direito autoral' sobre patrimônio genético da biodiversidade
Lucro de remédios criados a partir de plantas e animais terá de ser repartido com país de origem

29 de outubro de 2010 | 13h 58



Herton Escobar, enviado especial a Nagoya - O Estado de S. Paulo

A Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) acaba de aprovar uma regulamentação internacional sobre o uso de recursos genéticos da biodiversidade. O Protocolo de Nagoya, como será chamado, determina regras básicas para o acesso e a repartição de benefícios (ABS, na sigla em inglês) oriundos da utilização desse recursos, com o intuito de coibir a chamada "biopirataria".

O acordo determina que cada país tem soberania -- "direitos autorais", por assim dizer -- sobre os recursos genéticos de sua biodiversidade e que o acesso a esses recursos só pode ser feito com o consentimento do país, obedecendo à sua legislação nacional sobre o assunto. Caso um produto seja desenvolvido com base nesse acesso, os lucros ("benefícios") deverão ser obrigatoriamente compartilhados com o país de origem.

Por exemplo: se uma empresa estrangeira tiver interesse em pesquisar os efeitos terapêuticos de uma planta brasileira, ela terá de pedir autorização ao Brasil para fazer a pesquisa. Caso um produto comercial seja desenvolvido com base nesse estudo, os lucros da comercialização deverão ser compartilhados com o País.

E mais: caso haja um histórico de conhecimento tradicional associado ao uso medicinal da planta, os lucros deverão ser compartilhados também com os detentores desse conhecimento -- por exemplo, alguma tribo indígena ou comunidade ribeirinha.

O protocolo foi aprovado na plenária final da décima Conferência das Partes (COP 10) da CDB, em Nagoya, no Japão, com a participação dos 193 países signatários da convenção. O acordo não tem força de lei, mas cria uma obrigação política por parte dos governo de obedecer às regras e fornece uma referência compartilhada para a elaboração de políticas nacionais sobre o assunto.

A COP 10 também aprovou um Plano Estratégico com 20 metas de conservação da biodiversidade global, que deverão ser cumpridas até 2020. Elas incluem a proteção de pelo menos 17% dos ecossistemas terrestres e de água doce, e 10% dos ecossistemas marinhos e costeiros do planeta. A perda de hábitats-- com uma menção específica às florestas -- deverá ser reduzida em pelo menos 50%, podendo chegar a quase 100% "onde for possível".

O Brasil foi uma das nações mais influentes nas negociações e ficou satisfeito com a versão final do protocolo.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

A lupa de Humboldt em riba da paisagem marajoara

Os cabocos marajoaras devem ser gratos aos "teutos-marajoaras" Gunter Pressler e Willi Bolle, que devoraram Dalcídio Jurandir a fim de assimilar a paisagem cultural das ilhas filhas da Pororoca. Desta antropofagia sagrada resulta o colírio que nos ajuda a ver a conexão secreta entre "regional" e "universal": "words, words, words" (Shakespeare). JMVP
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A AMAZÔNIA ENTRE O MÍTICO E O CIENTÍFICO:
outubro 24th, 2010 | Author: Luciana

Dalcídio Jurandir à luz de Alexander von Humboldt

Por Willi Bolle (USP)

O objetivo desta comunicação é chegar a uma compreensão aprofundada da cultura cotidiana da Amazônia através da análise e interpretação da obra de um “viajante-insider” da região à luz de algumas idéias-chave de um dos maiores viajantes-pesquisadores de todos os tempos.

Trata-se, respectivamente, do romance Ribanceira (1978), de Dalcídio Jurandir (1909-1979), que concluiu com esse livro o seu ciclo de dez romances sobre a Região Amazônica, e de Alexander von Humboldt (1769-1859), que realizou de 1799 a 1804 uma viagem de pesquisa pela América Latina, inclusive a Amazônia, que ele documentou numa obra científica e literária exemplar.

A proposta de ler a obra de Dalcídio Jurandir à luz de Alexander von Humboldt justifica-se metodologicamente por três motivos importantes:

1. A relação entre o regional e o universal. Se, por um lado, a obra do romancista paraense é bastante conhecida no seu Estado de origem, sobretudo na década atual, já não se pode dizer o mesmo com relação ao Brasil. Efetivamente, Dalcídio Jurandir não faz parte do cânone da literatura brasileira, e muito menos da literatura universal.

Ora, uma vez que o conjunto de sua obra oferece uma representação da cultura cotidiana da Amazônia, com uma abrangência, densidade e precisão que desta forma provavelmente não existem em nenhum outro autor da região, é uma tarefa da crítica desenvolver estratégias para tornar essa obra mais conhecida.

Aqui trata-se de analisá-la com o método característico de Humboldt de tentar compreender os fenômenos locais e regionais por meio de comparações de abrangência internacional e planetária. Mesmo o eurocentrismo que existe em várias de suas comparações de fenômenos culturais – a referência à cultura grega como modelo – não deixa de ter, dialeticamente, uma utilidade prática.

É que o público europeu poderá compreender mais facilmente uma realidade não-européia quando esta lhe é apresentada por meio de uma “universalização” com a qual está familiarizado.

No mais, o interesse “universal” da obra de Dalcídio não pode ser postulado, mas pode se procurar demonstrá-lo por meio de temas e motivos de relevância geral, como os dois seguintes.

2. A relação entre o mítico e o científico. Os nomes com os quais se designa o maior rio do mundo e a sua região – “Amazonas” e “Amazônia” – são o resultado cultural e político de uma universalização européia, ou seja: a projeção de figuras da mitologia grega sobre uma realidade geográfica até então desconhecida, com a qual se deparavam os descobridores espanhóis durante a primeira travessia, realizada em 1541/42, com a expedição de Francisco de Orellana.

Essa mitologização, acompanhada do mito correlato do Eldorado, teve uma função ideológica fundamental para impulsionar os projetos de conquista e colonização. Reflexos disso encontram-se em discursos políticos e econômicos até os dias atuais. Com relação a essa mitologização e ficcionalização da Amazônia, sobretudo também na cartografia, Humboldt realizou um trabalho exemplar de desconstrução, com base em observações científicas.

O seu método de transitar entre o mítico-ficcional e o científico pode-se tornar operacional quando se trata de analisar os ingredientes míticos (as lendas e crenças amazônicas) que Dalcídio incorporou à sua obra. É útil também para investigar quais são os diferenciais cognitivos entre o romance, enquanto obra de ficção, e estudos de Ciências Sociais.

No caso concreto, vamos comparar, à luz de Humboldt, o romance Ribanceira, de Dalcídio, com o estudo do antropólogo Charles Wagley, Uma comunidade amazônica (1953), sobre o mesmo lugar, isto é, a cidade de Gurupá, situada no Baixo Amazonas, numa posição estratégica de acesso à região inteira.

3. A preservação da língua de uma comunidade, como documento mais importante de sua cultura. Em sua abrangente visão comparada das culturas do mundo, o principal ponto de referência de Humboldt, de acordo com a sua formação, é a cultura greco-romana (incluindo vários elementos das culturas orientais), à qual atribui um valor exemplar.

Esse modelo eurocêntrico, que está mais fortemente presente nas etapas iniciais da viagem, é submetido a uma reflexão autocrítica durante o contato com as culturas, coloniais e pré-coloniais, encontradas na América. Assim, a separação bastante esquemática entre os “povos civilizados” das montanhas ou Cordilheiras, com seus monumentos e documentos de escrita, e, por outro lado, as “hordas bárbaras e selvagens” da planície amazônica, pode ser superada por meio de uma idéia-chave de Humboldt, que consiste em considerar como “documento mais importante de toda cultura” a sua língua.

Para demonstrar essa tese, ele relata o caso de uma tribo indígena às margens do rio Orinoco, que acabara de ser extinta. O único ser vivo que ainda fala a língua dessa tribo é um papagaio. É essa narração emblemática que Mário de Andrade retoma no Macunaíma, para narrar “a história” “de nossa gente” e assim “preserv[á-la] do esquecimento”.

Neste ponto, o projeto literário, cultural e político do autor de Ribanceira se aproxima bastante daquele do autor de Macunaíma. A imagem do pássaro de bico grande na capa de Ribanceira, que não é mas sugere a de um papagaio, talvez seja uma paródia da poética do modernista de São Paulo.

Apesar das diferenças, ao mergulhar profundamente nas falas dos habitantes ribeirinhos, com seus usos, costumes e sua mentalidade, Dalcídio Jurandir preservou, como talvez nenhum outro autor da Amazônia, a fala, e com isso a cultura e a história cotidiana de sua gente.

Esclarecidos estes pressupostos, podemos entrar na fase operacional concreta da nossa pesquisa, explorando, numa primeira parte, a relação entre o mítico-ficcional e o científico. Para realçar melhor os elementos “míticos” no romance de Dalcídio – no duplo sentido: incorporação de lendas e crenças da Amazônia e construção de uma obra ficcional –, usaremos, como meio heurístico complementar, além de Humboldt, a comparação com o já referido estudo Uma comunidade amazônica, de Charles Wagley.

Em termos de geografia real, física e humana, o romance Ribanceira tem vários elementos de composição “externos” (como diria Antonio Candido) em comum com o estudo do antropólogo. A referência topográfica comum é a pequena cidade de Gurupá, chamada de “Itá” por Wagley e de “Ribanceira” por Dalcídio.

É uma comunidade típica do Vale do Amazonas. Assim como o antropólogo, também o romancista compõe a sua obra com base em um roteiro para o conhecimento da cidade, recorrendo a informantes locais para se inteirar da posição da cidade relativa ao rio, das ruas, dos lugares e prédios públicos (como o Trapiche, o Fortim, a Intendência, o Mercado, a Igreja, os cemitérios), das residências de autoridades e comerciantes, e das moradias de gente vivendo na pobreza e na miséria.

A época histórica retratada é aproximadamente a mesma: anos 1930 e 1940, ou seja, a terceira e a quarta década depois do colapso da Borracha. Em termos de atividade econômica, prevalece a estagnação, com uma modesta continuação da produção de látex, à qual se acrescenta a extração de madeira. A constelação dos personagens do romance constitui um quadro semi-documentário da sociedade local, com predomínio dos representantes do poder público e de figuras sobrevivendo à margem da economia.

Também no que diz respeito a elementos antropológicos como encontros sociais, costumes, rituais e festas, o romance se aproxima bastante das Ciências Sociais. Em vários pontos, Ribanceira confirma e ilustra as informações da pesquisa de campo realizada por Wagley; por seu lado, o estudo antropológico nos ajuda a compreender melhor certos detalhes como as diferenças entre as classes sociais, as relações de compadrio, a importância e organização da festa de São Benedito, e as crenças, lendas e mitos regionais.

Em suma: os textos do antropólogo e do romancista se complementam, na medida em que Dalcídio Jurandir continua uma tradição da literatura brasileira do século XIX, a de usar “o romance como forma de pesquisa” (Antonio Candido).

Em que consiste, então, a diferença entre o estudo da cultura da Amazônia pelo prisma das Ciências Sociais e, por outro lado, através da literatura de ficção? É a especificidade de conhecimentos proporcionados pelos procedimentos estético-literários postos em obra pelo romancista: elementos de forma, composição e estilo.

Com efeito, em Ribanceira, o escritor não aspira a nenhum conhecimento conceitual sistemático, não persegue à primeira vista nenhum programa teórico, mas opta, em vez disso, por uma forma de composição bastante solta, um fluxo narrativo contínuo de 320 páginas, não interrompido por nenhum tipo de subdivisão.

Trata-se de um mergulho, aparentemente espontâneo, no prazer do concreto, o que resulta na criação de uma “atmosfera”, em que o conhecimento proporcionado por sensações e sentimentos, fluxos de consciência, imagens de desejo, sonhos e fantasias, acaba prevalecendo sobre o conceitual.

A instância organizadora de todos esses elementos bastante voláteis é o narrador, que se mantém próximo do protagonista Alfredo, o jovem de 20 anos que cumpre o papel de Secretário da Intendência e, com isso, de observador participante.

Verba volant, scripta manet. Esta citadíssima locução latina pode nos ajudar a compreender melhor o projeto literário, cultural e político do autor de Ribanceira, para não dizer, do Ciclo inteiro do Extremo Norte. Quando os personagens entram em cena, eles entram sobretudo como personagens-falas.

Este é um traço diferenciador fundamental do romance em comparação com os estudos sociais. Para ilustrar a idéia de personagem-fala podemos recorrer à escrita hieroglífica azteca, da qual várias amostras são apresentadas e comentadas por Alexander von Humboldt em sua obra Vues des Cordillères et Monuments des peuples indigènes de l’Amérique (1813).

Daquela escrita nos interessa aqui específicamente o desenho de uma pequena língua colocada a uma pequena distância da boca dos personagens representados (cf. o tableau XII da referida obra). Esse hieróglifo indica que se trata de seres vivos, pois, segundo os aztecas, viver é falar. É, ao mesmo tempo, a melhor ilustração da tese geral de Humboldt de que “a língua é o documento mais importante de toda cultura”.

Por este caminho, é possível superar, de forma produtiva, a diferença rígida estabelecida por ele entre os povos “civilizados” que inventaram sistemas de escrita (na Ásia, na Europa e nas Cordilheiras da América) e os habitantes “bárbaros” e “selvagens” da planície amazônica, que não chegaram a esse estágio. Uma vez que os materiais lingüísticos estudados pelo viajante alemão dos rios Orinoco e Cassiquiare são bem diferentes daqueles trabalhados pelo romancista do Baixo Amazonas, não se pode fazer aqui uma transferência metodológica stricto sensu, mas a idéia-guia de Humboldt é muito útil num sentido heurístico.

Com efeito, na obra de Dalcídio Jurandir não se trata de documentos de línguas indígenas e, sim, de falas em português da população ribeirinha. É uma cultura miscigenada que integra elementos da tradição oral, indígena e européia, e, além disso, incorpora a essas tradições populares elementos da cultura escrita e da norma culta.

Como exemplo concreto dessa mistura podemos citar estas duas falas da lavadeira Daria-Mora-com-o-Diabo, “gerada de uma índia”, e que se dirige ao Secretário Alfredo, que vem visitá-la na beira do igarapé: “Peixe-boi novilho, meio adivinho eu que o senhor tem um sangue furioso ou por hipótis sou eu?” “Agora que o senhor está aí [...] licença que lhe pergunte: as informações que o senhor teve desta minha fraca pessoa? Leu no edital do Trapiche? Ouviu dum boca quente?” (Ribanceira, p. 262 e 263, grifos meus).

A segunda parte desta exposição será dedicada a estudar os procedimentos estético-literários usados por Dalcídio Jurandir para captar e preservar um acervo significativo das falas que escutou na cidade ribeirinha por ele escolhida e que é representativa das comunidades do Vale Amazônico em geral. O escritor incorporou à sua obra um dictio-narium da cultura amazônica, no sentido de Jakob Grimm: um acervo dos ditos mais expressivos da língua dos caboclos, que são incorporados à obra em forma de “citações” que se gravam na memória.

Para captar a teoria dessa poética, inscrita no próprio romance, selecionaremos um conjunto de observações, espalhadas pelo texto, em que o narrador e seu protagonista falam de sua disposição, dedicação e seus procedimentos em “ouvir” o povo, e em obter, com isso, uma escuta, por dentro, das estruturas sociais e da cultura do cotidiano.

Para dar uma amostra significativa do acervo de falas registradas pelo romancista estabeleceremos também, com base na observação do texto, uma tipologia dos diversos registros de ditos dos personagens. Desde as instruções burocráticas dos administradores e representantes do poder público, até conversas informais com pessoas das diferentes classes sociais; desde a expressão de tensões e conflitos até brincadeiras amorosas e as fofocas onipresentes; e desde as mais diversas crenças locais até estórias apoiadas em antigas lendas indígenas.

De alguma maneira, essas falas refletem também a concepção de história de Dalcídio Jurandir. Em comparação com o antropólogo Charles Wagley, que declarou como seu objetivo querer contribuir para que aquela comunidade amazônica saísse do atraso e do subdesenvolvimento, o romancista não parece preocupado com a dimensão do futuro. Ele concentra as suas energias na observação do presente, no qual o futuro de alguma forma se prenuncia. Uma pergunta suscitada pela leitura do romance de Dalcídio Jurandir, como também pelas observações de Humboldt sobre os abusos da administração colonial, é esta: Será que o aparato administrativo do Estado, que poderia se valer também do auxílio da ciência, traz efetivamente a modernização para a Amazônia e, com isso, vai substituindo aquele universo mítico de lendas e crenças? Não é que nos faz acreditar o dictio-narium das falas colhidas pelo autor de Ribanceira.

O jargão burocrático e as praxes administrativas ali descritas não representam nenhuma alternativa moderna em relação ao atraso dos ribeirinhos. Pelo contrário, o retrato dalcidiano de personagens como o Sede de Justiça, o Juíz, o Capitão e o porteiro tem algo que faz lembrar os personagens e a atmosfera das narrativas de Kafka.

Em vez de trazerem para aquela comunidade as luzes da razão, do progresso e da ciência, os representantes do Estado moderno espalham nela uma atmosfera profundamente mítica e mistificadora, característica de um poder autosuficiente e arbitrário, que não oferece aos habitantes da ribanceira nenhuma alternativa convincente para sairem do universo das crenças e mitificações com os quais estão acostumados.
ver: http://www.amazonias.blog.br/?p=191

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

20 de Novembro: DIA DA CULTURA MARAJOARA

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todo caboco ou caboca vem ao mundo pra chatear a paciência dos brancos. Comigo não foi diferente. Não é à toa que os donos do Poder falsificam história e sonegam escola que preste para a gente do povo: se mal letrados já são chatos imagine quando um zé mané pega diploma de doutor! Não é meu caso mas assim mesmo dou palpite sem ser chamado.

Desde que a Extensão da UFPA no campus Marajó inventou os Encontros em Defesa do Marajó, entre os anos de 1980 e 1990, a privatização ilegal de sítios arqueológicos e cerâmica marajoara pré-colombiana começou a dar marcha à ré. No dia 20 de dezembro de 1994, militantes de educação ambiental da SOPREN e amigos do Marajó coordenados pelo Pró-Reitor de Extensão Camillo Vianna decidiram, então, criar informalmente o Grupo em Defesa do Marajó (GDM). O GDM organizou e realizou o décimo e último encontro da série, concluido em 30 de abril de 1995, na cidade de Ponta de Pedras-PA, na ilha do Marajó.

A proteção e amparo oficial aos tesos e recuperação de acervo extraído ilegalmente foi então reclamado pelo GDM às autoridades federais e estaduais, que naturalmente não deram bola nem passaram recibo aos quixotes. Mesmo assim, a SECULT não fez ouvido de mercador ao GDM, o MP e PF compareceram à reunião que terminou por dar "cartão amarelo" à notáveis "donos" de sítios arqueológicos existentes dentro de terras de fazenda. Desde então o IPHAN fez das tripas coração para esticar o magro orçamento e mandar a campo o pouco pessoal técnico que dispõe para enfrentar a enormidade do problema. A gente compreende a dificuldade regional, mas não pode concordar com a leniência federal.

Seria prolixo demais relatar ponto por ponto o que tem sido a luta dos marajoaras, para "fazer alguma coisa" em benefício da educação patrimônial da gente marajoara, desde que o padre Giovanni Gallo comprou briga feia para inventar, em 1972, um incrível ecomuseu no fim do mundo com título pomposo de MUSEU DO MARAJÓ, na margem do grande lago Arari onde a Cultura Marajoara nasceu, há mais de mil anos.

Ora, nem mesmo o arguto "payaçu dos índios", o padre Antônio Vieira, que pacificou a ilha dos "ferozes" Nheengaíbas (marajoaras)em 1659; deu sinais de ter visto a original arte primeva encontrada cem anos mais tarde pelo dono da sesmaria Ananatuba e fundador da vila de Cachoeira, Florentino da Silveira Frade. Do estupendo achado do teso Pacoval do lago Arari, margem do igarapé do Severino, informou o naturalista da Universidade de Coimbra e autor da "Viagem Filosófica" (1783-1792), dizendo ele que o fato se deu a 20 de novembro de 1756. Data que um relato anônimo arquivado na Biblioteca Real do Porto (Portugal) confirma, indicando probalidade do mesmo Florentino da Silveira Frade ser autor do dito relato, na verdade primeira notícia biogeográfica da ilha do Marajó.

Nossa proposição para o dia 20 de Novembro ser considerado o DIA DA CULTURA MARAJOARA leva em conta o fato de que esta cultura ancestral com seus mistérios permaneceu oculta e respeitada pelas populações índígenas que ocuparam a ilha desde o fim da denominada "fase" Marajoara, cerca de 1400. A arqueóloga brasileira Denise Schaan deu impulso aos estudos anteriores, notadamente realizados pelas norte-americanas Batty Meggers e Anna Roosevelt; de modo que não há dúvida de que se trata da primeira sociedade complexa da Amazônia e, exatamente, da arte primeva brasileira à toda prova. Por que, então, quem tem obrigação de cuidar desta riqueza não dá prioridade ao assunto? A resposta está talvez nos anos de 1940, na briga entre o Museu Nacional e os fundadores do IPHAN, estes a favor do colonial aquele interessado pelas origens pré-colombianas.

A data marajoara de 20 de Novembro de 1756 deve ser tomado como efetiva "notícia histórica" acerca da primeira cultura complexa da região amazônica. Fato que incorpora à cultura nacional 1500 anos de história pré-colonial. Por feliz coincidência, 20 de Novembro é o dia nacional da Consciência Negra, que assinala a reconstrução da história de luta e resistência do Quilombo dos Palmares. Assim, a mesma data irmanará a resistência indígena e dos negros, dentro do mesmo processo de inclusão dos povos e populações tradicionais à história contemporânea do Povo Brasileiro.

Todavia, não basta um ato administrativo qualquer, uma lei publicada do Diário Oficial do Estado ou da União, para que se recupere o tempo arqueológico perdido. Já a Constituição-Cidadã tinha declarado que pertence à União bens de natureza arqueológica e a legislação mais antiga do IPHAN a este respeito não foi revogada. Quer dizer, um DIA NACIONAL DA CULTURA MARAJOARA carece nascer nos campos do Marajó, no coração e na mente da brava gente lesada da herança deixada por seus antepassados autóctes.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Eu acuso a 'intelligentsia' tupiniquim!

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Inegavelmente, o Presidente Lula e a Governadora Ana Júlia Carepa quebraram a rotina histórica de 350 anos de derrotas e humilhações do povo marajoara, desde a "pacificação" de Mapuá [Breves 1659] pelos Jesuítas, miseravelmente atraiçoada pelos colonos do Grão-Pará e o fraco rei Afonso VI de Portugal com a expulsão do Padre Antônio Vieira e seus companheiros (1661) para doação da ilha dos Nheengaíbas, invento da longínqua baronia de Joanes e capitania hereditária da Ilha Grande de Joanes (1665-1757). Mas, a verdade é que o forte contraste entre o imenso potencial desta região e a pobreza a que o neocolonialismo brasileiro a reduziu é tamanho que parece uma gota d'água no oceano tudo quanto já se fez a partir de 2003, a cabo de uma demanda popular que se pode, historicamente, situar na obra literária de Dalcídio Jurandir, desde a vila de Salvaterra, em 1939, com a reescrita definitiva do romance seminal "Chove nos campos de Cachoeira".

A Rússia e a China traduziram, por motivo ideológico, deste autor amazônico o romance proletário "Linha do Parque". Porém, com exceção da edição portuguesa de "Belém do Grão-Pará", o mundo exterior ignora solenemente o romancista da cobiçada Amazônia. É curioso que uma região que tanto interesse exerce sobre o mundo industrial não desperte atenção para a obra que fala, justamente, da "criaturada grande" (populações tradicionais amazônicas).

Ora, Dalcídio Jurandir teve o conjunto da obra reconhecida pela Academia Brasileira de Letras, com recebimento do Prêmio "Machado de Assis" de 1972: o primeiro para autor amazônida, o segundo apenas em 2010 para o filósofo paraense Benedito Nunes. São fatos isolados que, em conjunto, expressam um profundo sentimento de apartação entre o sul e o norte brasileiros. Marajó é mais do que um acidente geográfico na inconsciência nacional...

Quando a míngua de interesse acadêmico for superada, o país do Cruzeiro do Sul e o mundo inteiro há de ver que a invenção daquele incrível Museu do Marajó, na isolada Santa Cruz do Arari, é na prática o mesmo discurso memorial do romance dalcidiano por outros meios.

Por necessidade e acaso, Dalcídio Jurandir e Giovanni Gallo são "médiuns" de um povo zumbizado! Intérpretes de uma cultura arruinada sempre prestes a renascer das cínzas e dos "cacos de índio"... Mas, Dalcídio e Gallo já morreram: urge então ressuscitar outros Dalcídios e Gallos capazes de manter a chama da antiga cultura e despertar a resiliência da mesma gente que um dia, no passado distante, foi aprendiz de peixes e engenheiro do barro dos começos do mundo.

Segundo o naturalista luso-brasileiro Alexandre Rodrigues Ferreira, a primeira notícia sobre teso (sítio arqueológico de cerâmica marajoara)da ilha do Marajó foi dada por Florentino da Silveira Frade, fundador da freguesia de N.S. da Conceição da Cachoeira do rio Arari (1747); que teria achado o teso do Pacoval do Arari, no dia 20 de novembro de 1756.

Do saque e ruína do Pacoval e, por extensão, de toda cerâmica marajoara pré-colombiana falou o governador da Província do Pará, o Barão do Marajó; em sua obra clássica "As Regiões Amazônicas" quando informou das extrações feitas pelo Museu Nacional do Rio de Janeiro e remessas para a Exposição Etnográfica de Chicago (EUA), cerca de 1870. Nesta época, o fundador do Museu Paraense [hoje Museu Paraense Emílio Goeldi], Ferreira Penna começava estudos pioneiros sobre a Cultura Marajoara e diversos arqueólogos norte-americanos voltavam seus olhares para a ilha do Marajó.

Em 1937, nascia o IPHAN com nítida opção pela história colonial em meio a uma polêmica com o Museu Nacional, que por sua vez priorizava a pesquisa pré-colombiana. Em tal contexto, a diretora Heloísa Alberto Torres estudou a Cultura Marajoara e visitou Chaves, na ilha do Marajó, concluindo por dizer que o Brasil negligencia seu mais significativo patrimônio arqueológico. Desde então nada de útil foi feito, exceto o trabalho dos arqueólogos norte-americanos com Betty Meggers e Anna Roosevelt em destaque.

A brasileira Denise Schaan, entretanto, por mérito próprio em cooperação internacional nacionalizou os estudos da cerâmica marajoara: com a publicação de sua obra de divulgação "Cultura Marajoara", editora Senac, São Paulo, 2010; produziu um libelo contra a omissão do sistema cultural brasileiro. Ninguém mais, notadamente as autoridades do Estado do Pará, podem alegar em juízo ignorar fatos científicos, políticos, econômicos e culturais apontados na obra citada. Pena que a população dos 16 municípios do Marajó continue à margem de sua própria história regional...

Que diriam os cabocos marajoaras -- remanescentes históricos dos antigos criadores da arte primeva amazônica na ilha do Marajó -- se eles, sendo minimamente alfabetizados, tivessem recebido a devida educação patrimonial que a ancestralidade da Cultura Marajoara exige para autodefesa da Amazônia brasileira por sua gente nativa?

Com certeza, os cabocos seriam os primeiros dentre todos brasileiros a gritar alto e forte ao mundo inteiro os direitos territoriais expressos na estrofe do Hino Paraense, que diz:... "Do Brasil, sentinela do Norte." ...

Somos algo em torno de um milhão de marajoaras. Todavia, para o IBGE não só o Marajó é uma mesorregião com três microrregiões físicas formadas por 16 municípios no total de 104 mil km² de território no Estado do Pará, sua população não chega a 500 mil habitantes. Mas, são muito mais os marajoaras que se identificam como tal espalhados no Brasil e no mundo, em maior concentração demográfica na área metropolitana de Belém, zona Macapá-Santana e comunidades emigrantes na Guiana francesa e Suriname.

O que nos identifica como "marajoaras"? Assim como há gaúchos, cariocas, sertanejos, caipiras, etc, no Brasil é a região cultural insular do delta-estuário amazônico que nos dá sentimento de pertencer a uma peculiar parte do País e do planeta.

É notável o fato histórico de que as ilhas do golfão marajoara opuseram tenaz resistência à invasão e colonização de suas terras tradicionais, desde o primeiro contato com os europeus, em fins de janeiro de 1500, quando o piloto de Cristóvão Colombo Vicente Pinzón atacou e capturou os primeiros 36 "negros da terra" (escravos indígenas) da América do Sul, arrancados da ilha do Marajó. Para nós, começou assim, de mau passo, a história colonial. Mas 1000 anos da ancestral Cultura Marajoara contemplavam aqueles choques fatídicos entre a nascente ecocivilização neotropical e a decadente civilização ocidental. Onde estamos agora, no século XXI? Se não sabemos interpretar e desenvolver esta herança não seremos dignos de conservar a Amazônia: esta é a questão!

Certa visão medíocre dos paraenses em particular e brasileiros em geral, confunde equivocadamente o tempo arqueológico marajoara com juizo de valor entre as mais antigas culturas amazônicas pré-coloniais (Tapajós, Maracá e outras). Na verdade, a Cultura Marajoara não é a melhor nem maior cultura amazônica. Ela é, com atestado científico respeitável, a mais antiga civilização pré-colombiana do Brasil.

Diversos museus estrangeiros e nacionais possuem coleções de cerâmica marajoara que dialogam mal entre si e se esquecem da responsabilidade socioambiental que deveriam ter em relação à Criaturada grande de Dalcídio Jurandir e ao sui generis ecomuseu do padre Giovanni Gallo. Cedo ou tarde o repatriamento dessas coleções no exterior poderá ser reclamada. Mas, o que os museus nacionais fazem com as suas peças nada significa para a inclusão social das comunidades remanescentes da primeira cultura complexa da Amazônia.

Já que Dalcídio e Gallo estão mortos e os cabocos não tem como dizer das suas esperanças, carece que pelo menos um dos menos desletrados faça alguma coisa. É o que estou tentando, pelo menos, nos últimos 15 anos desde o X Encontro em Defesa do Marajó, na cidade de Ponta de Pedras, em 30 de abril de 1995.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Viva Marajó! Viva o ecoturismo!

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Reza a Constituição do Estado do Pará, em seu artigo 13, que a vocação econômica do arquipélago do Marajó levará em consideração a qualidade de vida da gente marajoara. Ora, que maior vocação econômica da região do que o turismo? Entretanto, até agora o caminho foi apontado mas falta ainda manifesta vontade política para um turismo pujante na Amazônia paraense. O que poderia ser evidenciado com a criação da Secretaria estadual especializada e a reforma da companhia estadual de turismo.

Nós, os cabocos, não temos papas na língua. Isto é, acanhamento de dizer besteira nem de puxar conversa fiada com doutores da lei super diplomados. Da coisa certa a gente não sabe nada, mas acerca do errado é larga nossa experiência... Há uma categoria de cabocos filosofantes, na qual me acho por acaso, que meu confrade Agostinho Batista chama de “retóricos”. Retórico, na cultura popular, é um pensador autônomo que dá palpite a torto e direito sem ser chamado na conversa, tipo assim: falei e está falado: dane-se o periquito da amassadeira!... (amassadeira era profissão de amassar açaí, antes da mecanização) e o periquito entra na estória como Pilatos no Credo, sem mais nem menos, por simples força de expressão.

Claro, retóricos aborrecem aos doutos e o povão lhes antipatiza por estarem quase sempre a chatear a paciência dos ignorantes. Cheguei à conclusão que ninguém gosta de ser retórico, mas é o azar de morar na fronteira entre o limbo e o inferno verde que faz um sujeito assim. Quem 'havera', então, de dizer onde o sapato aperta na periferia se não este tipo de sofista? Em minha qualidade de retórico, certa vez a um candidato cantando loas à panaceia do turismo lhe disse, francamente, nada saber do assunto; não ter negócio turístico nem mesmo ser um turista na vida. Mas porém, está na cara que se os donos do poder quisessem, de fato, transformar pobreza em riqueza, não vacilariam em dar tratamento Político ao turismo.

Não é a mesma coisa do que acontece. Mas, imagine que o prefeito de uma suposta vila do “Fim do Mundo” viesse ao pé da autoridade estadual ou federal mendigar inclusão do município no plano de fomento turístico. Logo haveria ali um pacto para atrair visitantes às localidades com atrativo de turismo. Regra numero 1: o melhor lugar para o turista é aquele que é bom para o habitante local. Regra número 2: ninguém gosta de ir onde não existe hospitalidade. Daí em diante, o trivial. Então, seguindo a receita, por hipótese, pode suceder que a vila do Fim do Mundo nunca venha a receber um único turista. Mas, só pelo fato de ter se preparado ao 'receptivo”, esse município já ganhou com a perspectiva do Turismo que, inclusive, dispõe de uma filosofia de solidariedade e convivência.

Dada licença ao caboco retórico, digamos que o próximo governo estadual precisa dar uma sacudida ao setor de fomento à economia do turismo. Antes de mais nada, dar status Político ao setor estratégico da atividade turística através de criação da “Secretaria de Estado do Turismo e Desenvolvimento Sustentável”. Não apenas a empresa pública “Companhia Paraense de Turismo – PARATUR” carece de maior cobertura política como também de revigoramento tecnológico, orçamentário e operacional para transformar o famoso potencial em produtos de mercado.

Sobretudo, há que se mudar a lógica do sistema produtivo do turismo. É preciso investimento para maior participação das comunidades no resultado socioambiental e econômico do turismo. O mercado doméstico pode ser trabalhado como consumidor inteligente para um dinâmico ecoturismo de base comunitária. Todo o entorno de Belém pode se beneficiar de uma política de desenvolvimento sustentável tendo o Turismo comunitário por âncora. O estado tem 12 regiões de integração, onde se destacam os polos turísticos de Belém, Marajó e Tapajós. Belém e Marajó compartilham a mesma paisagem cultural.

Comparando, por exemplo, Costa Rica e Marajó.

Em 1500, Marajó foi visitado pelo piloto Vicente Pinzón que capturou 36 escravos entre os indígenas da ilha grande do delta-estuário do Amazonas. Costa Rica foi descoberta em 1501 pelo próprio Cristóvão Colombo. Segundo o padre Antônio Vieira, existiam aproximadamente 50 mil índios marajoaras no século XVII, divididos em pelo menos sete etnias [Anajás, Aruãs, Cambocas, Guaianás, Mamaianás, Mapuás e Pixi-Pixis]. Em Costa Rica tinha três grupos indígenas [güetares, chorotegas e borucas].

Em luta contra os rivais Tupinambás e colonos portugueses, Marajó só foi pacificado por missão dos Jesuítas, em 1659. Transformado em capitania hereditária, em 1665, assim mesmo só em 1680 os portugueses conseguiram ocupar a ilha com a criação de gado. Em Costa Rica o ouro usado em ornamentos indígenas atraiu os espanhóis sob o comando de Bartolomeu Colombo, irmão do descobridor. Expulsos pelos indígenas, só em 1530 os castelhanos conquistaram a região. Antes de se tornar província da capitania-geral da Guatemala, em 1540, a Costa Rica chamou-se Nova Cartago. Independente em 15 de setembro de 1821, uniu-se ao México, durante três anos, e fez parte da Federação Centro-Americana, em 1824, dissolvida em1838.

Marajó no período de independência do Brasil tomaria parte importante no movimento nacionalista de adesão do Pará e na revolução paraense, dia a Cabanagem (1835-1840). Formada por um arquipélago de 65 mil km² de extensão e território continental, a mesorregião Marajó soma 104 mil km² no total. Costa Rica com 51,1 km² excede pouca coisa do tamanho da ilha do Marajó, todavia enquanto a população total dos 16 municípios marajoaras não ultrapassa a 500 mil habitantes, a população costarriquense é de mais de 4 milhões de habitantes, com uma renda per capita de US$ 9.887 e elevado IDH de 0,854, 95,9 da população alfabetizada.

Com esta ligeira comparação, se quer dizer que a história tem sido madrasta da primeira cultura complexa da Amazônia – a Cultura Marajoara de 1500 anos de idade (cf. www.marajoara.com ) e que o ecoturismo se tornou a salvação da lavoura na Costa Rica podendo se tornar uma referência para o desenvolvimento sustentável da região Marajó, caso haja vontade política suficiente. O naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira, em fins do século XVIII, viu em Marajó o potencial de uma província e nos anos de 1960 pecuaristas marajoaras começaram a propalar a ideia de criação de um Território Federal do Marajó, desmembrado do Pará, seguindo exemplo do antigo município paraense de Amapá (hoje o Estado do Amapá). Na Câmara dos Deputados tramitou projeto de criação do dito território federal, desta vez com pouca inclinação dos marajoaras em seguir a onda separatista ao lado do Tapajós e de Carajás. O governo Ana Júlia Carepa estabeleceu política de integração estadual capaz de compensar o retardo do interior paraense em relação à Capital, historicamente concentradora.

Em apenas três anos e meio, a política estadual de integração deu sinais de ir ao rumo certo da desconcentração e do desenvolvimento integrado do território de todo o estado. Marajó, umbilicalmente ligado a Belém, é a prova real desta política. Diferenciado na própria Constituição do Estado do Pará (§2º, VI, art. 13) o povo marajoara aponta ao potencial ecoturístico da região como a plataforma política do desenvolvimento sustentável que o exemplo da Costa Rica comprova. Para tanto é preciso ousadia que o anúncio da Secretaria estadual de turismo pode indicar.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

siga o Deputado!

Pela onda do tuiter, o passarinho tem-tem da rede de computadores, começou por Bauru-SP, a moda de acompanhar o mandato dos eleitos pelo voto popular, a campanha #AdoteUmDeputado . Teve gente que, imediatamente, adotou o palhaço Tirica milionário de votos eleito deputado federal do estado brasileiro mais poderoso, São Paulo. Outros, entrando na onda da palhaçada, em vez de adotar um eleito do povo quiseram antes ser adotados.

Seja como for, o tico-tico da internet poderá deixar os nobres representantes do povo com a pulga atrás da orelha seguidos, dia a dia, pelos eleitores. Filho da internet, o incrível projeto de iniciativa popular “Ficha Limpa” entrou para história política brasileira como uma inesperada revolução muito além dos candidatos barrados como “ficha suja”. As entranhas do poder foram devassadas e as sutis relações entre a sociedade nacional e o mundo externo reveladas. Claro, 90% da população ainda está por fora dos acontecimentos. Mas, a revolução tecnológica das comunicações iniciada pela impressão da Bíblia com o invento de Gutemberg conquistou o mundo virtual. Algo saiu de controle das grandes corporações industriais e comerciais, quando a contradição dialética do mundo capitalista; querendo engenheiros e supercomputadores; deixou alguns moços criativos inventar em oficinas de garagem o célebre PC (computador pessoal, na sigla em inglês) e programas de uso livre.

Sem isto, com certeza, nós não teríamos visto pela TV, ao vivo, os meritíssimos do STF metidos na enrascada daquele kafkiniano empate de 5 x 5 e a impensável desistência de candidatura do populista Joaquim Roriz ao cargo de governador do Distrito Federal. Temos, então, forte impressão da gestação de uma nova queda da Bastilha, desta vez por controle remoto.

Mas a democracia estaria ela em perigo, com a rebelião das massas e rebeldia de internautas de classe média? Pelo contrário! A velha democracia representativa esclerosada e corrompida pelos lobistas, tem sua chance de rejuvenescimento justamente com a vigilância e participação dos eleitores mediante uso de modernas tecnologias de comunicação. Desde Câmaras Municipais até ao Senado políticos honestos poderão receber apoio direto de cidadãos interessados no progresso da República. Não basta votar, tem que participar dos mandatos populares.