quarta-feira, 5 de agosto de 2009

filho de peixe



Filho de peixe é peixinho. Caboco ribeirinho, filho de índio, índio é... Viva a flor na pele da caboca cor de jenipapo, debaixo do sol lavrado montada em lombo de búfalo marchador no rumo do futuro. O rubro teor do açaí misturado à água ardente. Peixe frito e mormaço: meio-dia do Setentrião, por emblema. Amazônia parauara, verdejante. Verde e amarela que te quero encarnada. Pele-vermelha com estrela pintada no lado esquerdo do peito. Gente remoçada, raça tirada à sombra da palhoça e no solo fértil da roça pela invenção do verbo marajoar... Eu, tu, eles e elas vamos todos marajoar até Chico chegar da roça. Até o nosso Brasil varonil achar graça desta prosa. A nossa várzea florir e melhorar a sorte desta gente boa do Norte brasileiro. Salve, salve!

O padre Giovanni do lago Arari, galo Marajoara de coração; italiano naturalizado brasileiro, que nem o conde Ermano Stradelli colega de pajés vagando nas lendas do Rio Negro, encantado; foi o Gallo culturalmente devorado pelo caruanas, crismado em segredo pelos pajés e descatequizado pelas chuvas na ilha do Marajó pela astúcia caturra da criaturada grande de Dalcídio. Promovido a cacique açu... O primeiro cara pálida a se marajoar, com eira e beira, na sesmaria reconquistada na ilha grande dos Nheengaíbas! O cara nasceu em Turim, na Itália fascista, mas mudou a casca entre índios amenésicos na vila de pescadores lacustres no Jenipapo (Santa Cruz do lago Arari). Vicente Salles, o homem que decifrou o enigma do caroço de tucumã e a influência do velho rimance ibérico de “Dona Silvana” na literatura de Dalcídio Jurandir, está aí; na academia do peixe-frito, e não me deixa mentir.

Quem fala do Marajó está falando do Salgado paraense e do Cabo Norte amapaense. Parentes próximos, que nem carne e unha, por via da pesca na corrente das Guianas. E o velho Tocantins desde as barrancas do Araguaia abaixo é tudo caminho Tupinambá. Os sertões amazônicos dando a volta das ilhas e rompendo a linha de Tordesilhas. Conquista das icamiabas ditas “amazonas” e invenção da Amazônia; diretamente na ilha grande dos Nheengaíbas, filha da cobra grande Boiúna.

Pena que a brasilidade carece de leitura politica da semana de 22 a 27 de agosto do ano da graça de mil seicentos e cinquenta e nove na Ilha do Marajó. Pena que aquele tempo se perde entre chuvas e esquecimento. Se não, o povo saberia por fala oficial e cantoria sem igual, que filho de peixe é pexinho, portanto filho de índio é caboco. Povo tradicional pronto ao primeiro chamado a iniciar a re-construção da identidade perdida... Povos das águas e florestas de maré. Prontos para recomeçar a pirapurasséia, a dança do peixe; a comemorar os 350 anos da paz de Mapuá... Os sete caciques marajoaras históricos (Aruãs, Anajás, Mapuá, Mamaiamá, Guaianá, Pixi-Pixi e Cambocas). Haja a revitalizar a aldeia Aricará (1659) (apagada do mapa, em 1758, para imposição do nome colonial de Melgaço)... Haja a vitória da memória da aldeia Arucaru, pelo mesmo conseguinte, esquecida entre as brumas de Portel.

Axi! Nossos bons acadêmicos burgueses esnobam a paz dos Mapuá, pois é fato o ditado Pombalino desde quando o Império do Brazil foi menino de calças curtas; Dom Pedro II caçando borboletas pela Quinta da Boa Vista, sem saber nadinha da história e o roubo do café das Guianas, a invasão de Caiena ordenada por seu avô Dom João VI, donde o jardim botânico foi aclimatado, primeiro em Belém do Grão Pará... Claro! Os brasileiros, do Oiapoque ao Chuí, saberiam e a academia lembraria a luta política entre colonos portugueses e jesuítas (pe. Antonio Vieira), em torno da liberdade dos índios e a posse da terra (lei de 1655)...

Uma controvérsia histórica, dizem os acadêmicos burgueses. Sim, mas para os ribeirinhos não interessa quem pintou a zebra. O fato é que em 1661 e 1787 saíram os padres do Maranhão e Grão Pará a tapas e ponta pé, não exatamente por conflito teológico ou segurança de estado. Mas, exatamente, pela economia extrativista das drogas do sertão arrancada pelo trabalho escravo dos índios. Mera coincidência: sem trabalho escravo ou semi-escravo, em 2009, não haveria boi pirata, devastação da floresta, biopirataria, essas coisas...

Entendeu, compadre? Eis, o significado do projeto Nossa Várzea, Plano Marajó, Território da Cidadania... Seus antecedentes históricos desde um certo “índio sutil” Dalcídio Jurandir, apenas livre do cárcere (presídio S. José, 1937) e da perseguiao fascista, a se recolher à ilha natal, na vila de Salvaterra, há 70 anos (1939-2009), a fim de escrever "Chove nos campos de Cachoeira" (esboçado em 1929) e "Marinatambalo" (publicado com título "Marajó"), donde toda a série da obra premiada pela Academia Brasileira de Letras, em 1972.

O Brasil está preocupado com a Amazônia. Mas, de que Amazônia o mundo fala? Os brasileiros temos muito a aprender com a práxis do Plano Marajó... Tem gente dizendo que o Plano Amazônia Sustentável (PAS) nada fez até agora. Outros dizem o mesmo a respeito do Plano Marajó, mas este é piloto do PAS, e pelo menos a regularização fundiária vai muito bem obrigado... Nós não podemos confundir as coisas e morder a ista de pescadores de águas turvas... É claro que, nas condições objetivas do Pará, “do Brasil sentinela do Norte”, é preciso acelerar o passo no contexto amazônico. E a Amazônia na emergência do Brasil no plano mundial e integração da América Latina; é preciso uma clara visão de futuro.

O futuro está vinculado às leis da Natureza e ao passado histórico... Quer dizer, quebrar o colonialismo e o imperialismo desde a periferia requer leitura do espaço-tempo local e levar em conta o campo da cultura regional. Donde, em Marajó por exemplo, Dalcídio e Gallo constituem plataforma incontornável a qualquer plano de desenvolvimento humano sustentável nas Amazônias... Hoje está nascendo aqui inovador processo de empoderamento do território pela cidadania das populações tradicionais. Há obstáculos formidáveis no caminho, não totalmente à direita para dizer a verdade. Se, todavia, os intelectuais brasileiros progressistas não derem a devida atenção neste momento, podemos nos arrepender tarde.

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