sexta-feira, 13 de janeiro de 2012



A CONQUISTA DO OCIDENTE MARAJOARA:
Índios, Portugueses e Religiosos em Reinvenções Históricas

Agenor Sarraf Pacheco
UNAMA-PA

Aqui no hay supremacias: océano y río celebran las mismas núpcias em las águas. Y solo el viento presencia los grandes gestos de la naturaleza. El Atlántico sumiso, deja que las aguas de barro manchen su azul profundo.
Pe. Salvador Aguirre, O.A.R
La Prelatura de Marajó

Se a selva fecunda e ora verde falasse, teria com toda a certeza muito o que dizer. Diria sem dúvida que houve tempo em que ela foi manchada de rubro, pelo sangue de tantos inocentes imolados covarde e implacavelmente.
Emílio Vieira Barbosa
Marajó: Estudo etnográfico...

A escrita e as reinvenções da história
Desvendar novas rotas de navegação, apreender o regime dos ventos e das águas, estabelecer contatos com exímios remadores para captar de suas sabedorias, como situar-se numa labirintuosa planície, que parecia se recompor quanto mais se avançava no curso de suas águas, foram prováveis preocupações que fizeram parte das motivações de nações, grupos e homens, ao pretenderem viajar, desbravar, povoar, colonizar, catequizar, (re)cristianizar a Amazônia Marajoara no correr dos séculos XVI ao XXI .
Na primeira década do século XVII, Portugal aventurou-se por esses ambientes “abastecidos de águas e talhados de rios” (DANIEL, 2004:93), porque franceses, ingleses, holandeses, irlandeses, antecipando-se em navegar por essas rotas, aprenderam a dialogar com seus povos para estabelecer, ali e acolá, novos contatos. O medo de perder aquele importante território, contudo, jogou a Coroa Portuguesa águas adentro do Mar-Dulce. Desenharam-se, a partir dali, motivações à fabricação de inúmeras memórias, argamassa para escrita de muitas histórias. Do lugar social e cultural de onde fossem produzidas e narradas, ganhariam continuamente outras conotações.
Uns produziriam verdadeiros épicos da saga Portuguesa na terra das Amazonas , outros, a narrativa de uma tragédia dizimadora de povos e culturas nativas . Ainda apareceriam aqueles que, ao trazerem à tona a fragilidade de um projeto de conquista, mostraram sequentes derrotas portuguesas para nações indígenas marajoaras, os “invencíveis na sua ilha inexpugnável” (AZEVEDO, 1999:69), como prova da negligência inicial à “arma do evangelho”.
O conjunto dessas escrituras demonstra tratar-se de encontros, resultando em frequentes tragédias para consolidar um projeto eurocêntrico, sustentado em pilares de expansão territorial, acúmulo de riquezas e ampliação de exércitos de almas. Tais ordenamentos dizimaram inúmeras nações indígenas que, ao se verem forçadas a criar outras táticas de combate e resistência, inventaram novas fronteiras e configurações étnicas, políticas e culturais. Os moventes sentidos e desdobramentos daqueles encontros iniciais parecem, no entanto, ainda hoje atormentar a escrita da história regional.
Nesse campo, crônicas, relatos e escritos religiosos inquietam historiadores. Quando se pretende apreender indícios para a produção de uma história colonial, sem estes documentos dificilmente conseguir-se-á ir muito longe. Para lidar com eles, todavia, é preciso exercitar o olhar político, o saber interrogativo, na perspectiva apontada por Beatriz Sarlo (1997:59) , caso contrário estar-se-á mais uma vez, fazendo da escrita da história uma prática de colonialidade do saber (LANDES, 2005) . Isenta da arte do questionamento, essa escrita continuará a reproduzir narrativas excludentes, que pouco conseguirá fazer implodir o contínuo das experiências humanas (BENJAMIN, 1994), em pontos mais críticos das mediações culturais.
A partir de agora, o texto adentra narrativas de doloridos confrontos vividos em palcos de águas, matas e campos alagados, entre portugueses e nações indígenas, no processo de conquista dos Marajós a partir de 1616. A perspectiva é, ao visibilizar a importância desempenhada pela região para o entendimento mais inclusivo e contextualizado da história social da Amazônia , questionar por que suas memórias documentais ficaram nos subterrâneos da escrita de uma História Regional/Local, que luta por sair de uma condição marginal, frente aos ditos epicentros dominantes, construtos da História Nacional/Global (MIGNOLO, 2003).
Ao revisitar textos de cronistas e historiadores, percebe-se que o modo como documentaram encontros, tragédias e negociações, entre conquistadores e populações a serem conquistadas, acabaram por consagrar uma memória religiosa, que entre as inúmeras derrotas e extermínios ocorridos nos Marajós, apresenta-se em vertente exclusivamente vencedora .
Em outras palavras, o ícone da Companhia de Jesus na Amazônia, padre Antônio Vieira, continuamente heroificado e até santificado, tanto pelos cronistas da Ordem, quanto pela historiografia regional, transforma-se na única arma que faz o presente marajoara não se esquecer de seu passado, ou melhor, o passado reatualizado desdobra-se em espelhos do presente. Não é o presente que parece manipular o passado, mas é a força de narrativas passadas quem dirige o casco da história presente.
Da expulsão da Companhia em 1759, até o início das políticas de recristianização, iniciadas nas últimas décadas do século XIX, com novas ordens vindas da Europa, como a dos Agostinianos Recoletos que chegaram ao Pará, em 1899, assumindo, a partir de 1930, a região marajoara, o passado distancia-se do presente em 140 anos. Porém, a memória que se firmou como referência contra o esquecimento é a do “grande pacificador dos índios de Marajó”, o padre Antônio Vieira.
Pelos fios do passado, o texto a partir de agora vai percorrer passagens da história colonial marajoara, refotografando rostos de sujeitos e suas contendas, desvendando maneiras como a escrita da história composta para falar do processo de conquista portuguesa da região, forjou uma memória religiosa como definidora dos caminhos que levaram a criação de um acordo de paz entre nações indígenas marajoaras e Coroa Portuguesa. Em outras palavras, o autor deste texto ao procurar recolocar o lugar social da região marajoara no entendimento da efetivação do projeto colonizador português no Vale Amazônico, com destaque para o seu lado ocidental, o Marajó das Florestas, vai desvelando o movimento de fabricação desta memória da Companhia de Jesus.

Conflitos entre rios e florestas

Os encontros entre nações estrangeiras, portuguesas e populações indígenas locais foram muitos. Do lado marajoara, diferentes etnias e cosmovisões de mundo apresentaram-se. Interesses diversos fizeram estrangeiros movimentarem-se, com a ajuda de saberes locais, por aquelas desconhecidas terras de “homens anfíbios” . Mas as nações indígenas, guardiãs daquele imenso Vale, já com experiências de outros contatos , situadas em margens de rios e igarapés sentiram os novos rumores, aguardaram a afirmação dos presságios e colocaram-se de sentinelas para não serem facilmente capturadas.
A montagem de uma estratégia geopolítica era fundamental para Portugal assegurar a posse efetiva da imensa região, com seu desaguar a perder de vista por labirínticos rios e florestas. Antes da conquista, no entanto, era preciso dominar e proteger rotas e roteiros entre o Maranhão e o Grão-Pará. “Nessa faixa litorânea localizavam-se os índios Tupinambás, em grande número. Era preciso, de um lado, garantir a navegação e seu controle entre São Luís e Belém, assim como um caminho fluvial-terrestre, pelo interior; e, de outro, ocupar a faixa litorânea, submetendo e/ou pacificando os índios, pela força e pelos métodos persuasivos disponíveis” (MAUÉS, 1995:39).
O labirinto de ilhas, os “Marajós”, e seus habitantes cravados na foz do território a ser conquistado, não assistiram, passivamente, aquelas estranhas chegadas de gentes tão diferentes de suas visões humanas. Experientes em contatos e guerras tribais anteriormente vividas, entre si e com outras nações, Aruãns, Sacacas, Marauanás, Caiás, Araris, Anajás, Muanás, Mapuás, Pacajás, entre outras e os batizados de Nheengaíbas , enfrentaram as armas portuguesas por quase 20 anos. Esse processo já demonstra quão difícil foi a conquista da Amazônia e como os nativos habitantes, “da ilha que estava atravessada na boca do rio Amazonas, de maior comprimento e largueza que todo o reino de Portugal”, posicionaram-se diante da voraz ganância lusitana.
Situados em diferentes pontos geográficos da grande ilha de Joanes, essas nações lutaram em defesa de seus territórios, modos de ser e viver. Imaginários e memórias sobre suas forças, resistências, habilidades em lidar com canoas, remos, arcos, flechas, táticas de esconderijos entre matas e rios, podem ser encontrados em crônicas de religiosos do século XVIII, historiadores e viajantes do XIX, além de obras que compõem a historiografia regional contemporânea.
O padre Jesuíta João Daniel foi um destes cronistas que, depois de viver 16 anos no Estado do Maranhão e Grão-Pará, redigiu memórias do Vale Amazônico, dando conta de uma multiplicidade de experiências cotidianas de habitantes da região. Segundo Salles, tematizando terra, homem e cultura, os dois volumes de sua obra “ornadas de mitos e símbolos, lembra a lavra do rapsodo, aquele que canta ou recita estórias populares, adaptando-as a seu modo sem perder a autenticidade” (DANIEL, 2004:13) . No intuito de falar das infrutíferas expedições portuguesas em suas primeiras tentativas para conquistar o “gentio” da grande ilha, cujas entrelinhas já deixam ver o processo de fabricação de uma memória que evoca a atuação dos missionários na região, escreveu o padre cronista:

Muito deu que fazer esta nação aos portugueses, com quem teve muitos debates, contendas, e guerras. (...) Expediam-se tropas contra eles, mas os Nheengaíbas, (...) zombavam das tropas, escondendo-se por um labirinto de ilhas, e de quando e quando dando furiosas investidas, já em ligeiras canoinhas, que com a mesma ligeireza com que de repente acometiam, com a mesma se retiravam, e por entre as ilhas se escondiam as balas, e já de terra encobertas com as árvores, donde despediam chuveiros de flechas e taquaras sobre os passageiros e navegantes, que além do risco da vida, se viam impedidos a navegar o Amazonas, para onde não tinham outro caminho, senão pelo perigoso furo do Tajapuru (...) (DANIEL, 2004:368-9).

Apesar de, em 1623, os portugueses terem conquistado, na fronteira com a grande ilha de Joanes, os fortins flamengos ainda existentes em Santo Antônio de Gurupá e N. Srª do Desterro, construídos pelos holandeses e o forte de São José de Macapá, erigido pelos ingleses – objetivando assegurar a conquista do rio das Amazonas e expulsar “os piratas europeus” da região –, necessitavam organizar “entradas pelos sertões com o objetivo de descobrir terras, riquezas e escravizar os silvícolas” (BARROSO, 1953:83). Para tanto, os colonizadores precisavam vencer outro obstáculo: dominar Aruãns, no lado oriental e Nheengaíbas, no lado ocidental, que povoavam o arquipélago de ponta a ponta.
O professor José Varella Pereira comenta que “afastados os estrangeiros, entretanto, a guerra não havia solução de continuidade, visto que os insulanos não se submetiam aos vencedores e nem permitiam passagem franca de canoas do Pará, através dos Estreitos de Breves em direção ao rio das Amazonas” (PEREIRA, 2007:197) . Para tanto, uma segunda expedição, organizada em 1654 pelo capitão Aires de Sousa Chicorro, capitão-mor do Grão-Pará, chefiada por João Bittencourt Muniz, composta de 80 arcabuzeiros e cerca de 500 selvagens Tupinambás, “deveria levar a destruição deshumana numa guerra injusta e inqualificável” (BARROSO, 1953:83) frente aos primitivos habitantes marajoaras.
Vieira Barbosa narrou que, imaginando Muniz ser o conflito tranquilo e a vitória certa, mandou um emissário com um destacamento oferecer o perdão e a paz aos selvagens, com a condição de tornarem-se fiéis a El Rei. Não lhes inspirando confiança, travou-se novamente um “choque sangrento, horrível e desastroso para os invasores. Os Nu-Aruacs, como onças de suas selvas e campos sem fim, encurralaram-nos num cerco de musculosos guerreiros cor de ébano, pondo-os numa situação crítica. O troar mortífero, inútil e ineficaz dos mosquetes, era respondido pelo silvo das ‘taquaras’ e das flechas, que zunindo iam cravar-se balançantes no peito dos soldados de Muniz” (Idem:84).
À medida que avança a narrativa de Barbosa sobre “A conquista do Marajó”, emerge um tom grandioso, cheio de lances cinematográficos, tornando o próximo combate uma espécie de épico da história regional, com o objetivo de enaltecer os filhos da terra, desqualificar os portugueses para chegar ao “Valor do Missionário”. Barbosa conta que o capitão João Bittencourt Muniz, ao tomar conhecimento do resultado do contato, ficou “assombrado com o que viu; permaneceu como que pregado ao solo, com os movimentos instantaneamente paralisados” (Idem:84).
Os bravos Tupinambás entraram naquela luta com o apoio de portugueses e suas armas. Ao final da “batalha medonha e encarniçada”, apesar de morrerem 250 Tupinambás, somente 30 portugueses e inúmeros habitantes da ilha, a expedição não saiu vitoriosa. No ano seguinte, organizou-se uma nova tentativa para acabar com a valentia dos bravos guerreiros marajoaras, sob a orientação do novo governador André Vidal de Negreiro, apoiada pela Câmara de Belém. Essa empreitada pretendia o extermínio e o cativeiro das nações marajoaras, mas “quem havia de pacificá-los eram os santos Missionários e não os portugueses, com os seus mosquetes e arcabuzes impiedosos, que lavraram o ódio, a perseguição, a fome, a miséria e a destruição no seio desses pobres seres, que apesar de serem bárbaros, eram também humanos” (Idem:87).
Nesta narrativa, Barbosa colocou-se contra atitudes dos conquistadores portugueses, mas ficou embebido na lógica de que o sucesso do projeto civilizador estaria assegurado somente com a presença da religião . “Os jesuítas iluminados simplesmente pelo ideal cristão, não encontraram nenhum obstáculo que os impossibilitassem de cumprirem os seus deveres religiosos. (...) Fazia esses sacrifícios inauditos e inenarráveis, para atrair os ameríndios à civilização” (BARROSO, 1953:89).
O renomado historiador português, João Lúcio de Azevedo (1855-1933), especialista nos estudos sobre a Companhia de Jesus, conhecido entre os pesquisadores brasileiros que se debruçaram nos estudos coloniais a partir das primeiras décadas do século XX, narrou: “Em 1659, Vieira consegue reduzir as tribus de Marajó. O feito é extraordinário e quase milagroso. O que não tinha alcançado a força das armas, obtem-o a doçura do evangelizador, a fama repercutida de suas virtudes, a sublime confiança com que vai metter-se entre os cannibais: tal Anchieta entre os tamoyos” (AZEVEDO, 1999:73).
A valorização que Azevedo e Vieira Barbosa fizeram do papel dos religiosos, no processo de conquista da Amazônia, incorpora-os ao movimento de fabricação de uma memória sobre a Companhia de Jesus na região, com destaque para os feitos de padre Antonio Vieira. Como historiadores dos séculos XIX e XX, esta construção vinha sendo arquitetada desde o período colonial pelos próprios regulares. Cardoso e Chambouleyron (2003), por exemplo, trabalhando relatos jesuíticos no Maranhão e Grão-Pará do século XVII, captam em diferentes passagens das crônicas e relações escritas pelos religiosos, um contínuo noticiar de martírios vividos pela Ordem .
Um episódio recorrente em obras que compõem a historiografia Amazônica a esse respeito é o naufrágio, ocorrido em 1643, com a viagem do “padre Antonio Figueira e quatorze missionários”, saída de Portugal em direção ao Maranhão e Grão-Pará. Moreira Neto é um dos autores que apresenta essa narrativa:

Luís Figueira conseguiu recrutar, nos vários colégios da Companhia em Portugal, quatorze missionários, todos portugueses, a quem se deveriam somar mais dois, do Maranhão. O navio alcançou a ilha do Sol, nas proximidades de Belém, onde encalhou e mais tarde foi destruído pela maré. Parte dos passageiros, entre os quais Luís Figueira e outros padres, tomaram uma jangada e, com ela, foram dar à ilha de Marajó, onde os índios Aruans, em guerra com os portugueses, os mataram a todos (MOREIRA NETO, 1992:67).

A persistência do fato na escrita da história regional fez algumas narrativas incorporarem ou silenciarem certos elementos . Independente dessa questão, a qual abriria uma outra averiguação , interessa acompanhar a maneira como a própria escrita missionária foi sendo importante ferramenta, não somente contra o “naufrágio do esquecimento”, mas como a Companhia gostaria de ser vista tanto pelo presente quanto pelo futuro.
Obviamente não se pretende negar o papel desempenhado pelos religiosos como grupo de destaque na conquista da Amazônia, – que, para o caso marajoara, a atuação de Vieira, como insiste o professor Varela, foi fundamental –, mas sinalizar que o próprio historiador, muitas vezes sem observar armadilhas do documento ou da informação que recebe de outras pesquisas, ao passá-la adiante sem inquiri-la e cotejá-la a outros enunciados históricos, vai contribuindo para reatualizar a memória de determinado(s) sujeito(s), ajudando na reconstrução de sua(s) identidade(s) social(is). Como reflexo, outros rostos e trajetórias vão sendo desfiguradas.
Apoiado nos debates acalorados pelo professor Varella, é possível dizer que quando se discute a conquista da Amazônia, geralmente não se leva em conta o lugar estratégico que os Marajós desempenharam nesse processo. Como se vinha acompanhando anteriormente, as expedições organizadas por capitães portugueses, apoiados pelos Tupinambás para derrotar aruãns e nações nheengaíbas, não obtiveram sucesso, apesar de o medo das armas de fogo os terem forçado a destruir suas aldeias da beira do rio, construindo lugarejos no centro daquela ilha alinhavada por igarapés, igapós e lagos. “Que não podendo esses índios ser localizados em nenhuma parte ficaram eles habitando toda a ilha, e lutando com táticas de guerrilha e uso de setas envenenadas que apareciam de repente e atacavam para recuar, rapidamente, em suas canoas a velas de jupati, diante da exasperação dos colonos e seus arqueiros desarvorados” (PEREIRA, 2007:197).
A exposição acima é parte de fragmentos de uma carta escrita pelo padre Vieira à Coroa Portuguesa, depois que conseguiu um acordo de paz, entre os dias 22 a 27 de agosto de 1659, com chefes das sete nações Nheengaíbas no rio Mapuá, no interior daquele que ficaria conhecido mais de um século depois, como o espaço rural do município de Breves (Idem:197). A partir dali, finalmente minimizaram-se antigas hostilidades, iniciadas desde a tomada do Forte de Santo Antônio em Gurupá, o que não significou a efetivação de um acordo de cavalheiros, fossem com religiosos ou com colonos portugueses.
Sobre a saga da Companhia pelos rios da Amazônia, o padre João Daniel, em suas memórias de cárcere escreveu que inúmeros inconvenientes praticados por parte dos portugueses, para tentar vencer os Nheengaíbas com balas de escopeta, só deixaram de ocorrer quando as “armas do Evangelho como prudência, mansidão e paciência” entraram em cenas da conquista. “O grande Vieira, expondo a sua vida pela dos portugueses, e aumento da pátria, se ofereceu” para ir até os bravos guerreiros, “acompanhado do seu Santo Cristo, o melhor peito de aço” de todos os confrontos, usando a mesma tática com a qual a Companhia “conseguiu a paz nas maiores empresas dos portugueses em todas as suas dilatadas conquistas da Ásia, África” e agora da América (DANIEL, 2004:369).
Daniel conta ter sido, com essa arma, que o padre Vieira meteu-se entre os indômitos Nheengaíbas, sendo bem recebido, “próspero sinal de sua embaixada, e faustos anúncios do desejado efeito. Propôs-lhes com a sua inata eloquência e natural retórica as conveniências da paz com os portugueses, os grandes danos da guerra e, sobretudo, os muitos bens da fé de Cristo, que lhes ia pregar” (Idem).
Deixando os Nheengaíbas menos bravos, relata Daniel, Antônio Vieira tirou do peito a imagem do Santo Cristo e entregou aos índios, “dizendo-lhes que ali lhes deixava aquele tesouro que mais estimava, e lho dava por penhor do muito que os amava; que considerassem diante dele as grandes conveniências, que lhes propunha, e que esperava depois lhe dessem resposta do que ajustassem entre todos” (Idem); feito isso retornou para Belém.
No ano seguinte, depois de voltar de Lisboa, “o grande Vieira” reencontrou-se com os Nheengaíbas do rio Mapuá. Ao desembarcar, os índios foram levar-lhe “a dita imagem que lhes tinha deixado em refém e com o mesmo respeito a veneraram em todo aquele ano que a tiveram consigo” (Idem). Conta Daniel que depois de colocarem a imagem nas mãos do padre e tendo discutido entre si a proposta apresentada, cessaram as perniciosas guerras de 20 anos, resolvendo abraçar a fé de Cristo e fazer pazes com os portugueses (idem).
Aquele tratado, firmado em 1659, assegurava a implementação de duas linhas de frente da política portuguesa no Vale Amazônico: a liberdade para se navegar pelos estreitos de Breves, porta de entrada à extração de muitos haveres, riquezas e passagem obrigatória para quem desejasse alcançar Macapá e a Guiana Francesa; e afirmava a presença e importância da missão jesuítica na pacificação do gentio através dos aldeamentos.
No caso dos Marajós, após o acordo que possibilitou o trafegar livre das canoas pelos estreitos da grande ilha, os missionários da Companhia criaram um primeiro aldeamento no sítio do próprio Mapuá, iniciando o difícil processo de catequização daqueles que aceitaram ali morar. O padre João Daniel conta que depois, esse aldeamento foi transferido para a missão da Ilha de Guaricuru (Melgaço) (Idem:369-370), dedicada com uma boa e bizarra Igreja ao glorioso São Miguel, além de boas casas de residência dos seus vigários e diretores (Idem:392).
Esta missão era composta por índios Nheengaíba, Mamaianás e alguns poucos Chapouna. Além da aldeia de Guaricuru, os religiosos fundaram próximo dali a aldeia Arucará, de onde originou-se a Vila de Portel, e a aldeia Araticu, transformada depois da expulsão dos religiosos, em 1759, em vila de Oeiras (Idem), hoje Oeiras do Pará, terra de onde se desmembrou o município de Bagre.
O cronista da Companhia narrou que a aldeia de Araticu estava situada em grande planície, com muita fartura de peixe e caça. Compunha-se de índios de várias nações, dentre essas ganharam destaque, nas escrituras, Guaianases e Maraanuns. Já a aldeia Guaricuru tinha, em sua frente, uma linda baia e um furo para o Tajapuru. Era muito farta e muito sadia porque estava sempre lavada pelos ventos.
No fim daquela larga baia, encontrava-se outra formada pelas águas dos rios Pacajá e Guanapu (Anapu). Às margens daquela nova baia localizada em terreno alto, na parte sul, estava a “grandiosa missão de Arucará”, hoje vila de Portel. “É a mais populosa de todas as que tinham a seu cargo os missionários jesuítas, com uma bela Igreja não só no material, mas também no formal de bons ornamentos. Compõe-se das nações nheengaíbas, mamaianases, oriquenas e pacajazes” (Idem:393).
Seguindo o percurso do cronista jesuíta, deixando a parte sul em direção ao Cabo Norte, o cruzamento das águas do Amazonas com o rio Xingu, faz avistar a fortaleza de Gurupá. Ali existia uma “povoação de portugueses anexa com seu vigário, e com um muito devoto convento de religiosos capuchos da província da Piedade, donde costumavam prover todas as missões da sua administração. Ao pé há uma pequena povoação de índios” (Idem:394).
Foram os capuchos da Piedade os construtores das primeiras povoações dos aruãns, aldeados nas ilhas Cavianas, Mexianas e de Santo Antônio, hoje Chaves , na chamada contra-costa dos Marajós, na parte Norte do Amazonas. Sem maiores delongas, Daniel vai deixando rastros daquilo que considerou como bom trabalho realizado por esses missionários e modos como catequizaram o gentio marajoara.

O passado na esteira do presente


Como membro da Companhia, Daniel, nas passagens em que falou das nações indígenas marajoaras, especialmente da parte florestal, construiu uma memória harmônica de vivências entre religiosos e habitantes da região. Deixando de lado, por exemplo, a tese da inconstância da alma selvagem, tão discutida entre os estudiosos do período, aspecto fundante na leitura dos tempos de recristianização da Igreja na Amazônia Marajoara, sua escrita beira um tom romanesco.
O padre jesuíta procurou mostrar que qualidades como afetividade, justiça e honestidade, apresentadas pelos filhos das robustas nações Nheengaíbas, foram resultantes do belo processo de educação cristã conseguido pelos religiosos. Por outro lado, não deixou de engrossar a tinta quando discorreu sobre a expulsão da Ordem pela Lei Pombalina, apontando veementemente estragos causados à vida das populações locais.
A força dessas memórias fez-se presente nos primeiros escritos produzidos pela Ordem dos Agostinianos Recoletos, ao assumirem, em outubro de 1930, a Prelazia de Marajó. “Expulsados los jesuitas en 1759 por el masón Pombal, todo quedó en el mayor abandono. Los indios se dispersaron, el culto quedó interrumpido o continuado en algunos lugares por sacerdotes poco celosos. Las Iglesias fueron desapareciendo, quedando hoy, y no completa, la iglesia de Monsarás” (Livro de Coisas Notáveis de Soure, 1930:1-2).
Memórias coloniais redigidas por D. Frei Caetano Brandão, bispo do Grão-Pará, na Era Pombalina, foram recuperadas em escritos agostinianos para mostrar que a ignorância religiosa dos marajoaras de Breves era retrato do abandono espiritual, ao qual ficaram relegados esses moradores, depois que a Coroa expulsou os padres da Companhia de Jesus da região.

(...) No ano de 1786, a 12 de Junho aportamos a um pequeno lugar denominado Breves. Consta de alguns moradores pardos ou índios. Não tem igreja, nem capela, e dista da freguesia que é a vila de Melgaço um dia de viagem, por isso se acham muitos ignorantes na doutrina. Perguntando a um grande número de mulheres e meninos quem era a Mãe de N. S. Jesus Cristo não souberam responder-me. Preguei e ensinei o que pude em tão pouco tempo. Recomendei a um homem mais inteligente que instruísse aos meninos, para o que lhe dei alguns livros. Crismei, visitei-os nas suas casas estimulando-os ao trabalho corporal e ao de salvação, e às cinco horas da tarde os deixamos (SOARES, 1946:138).

Cinquenta e três anos depois que Frei José reescrevia o que noticiou o prelado para que a memória da Companhia de Jesus e seus feitos não fossem esquecidos da história marajoara, isto é, em 1999, os bispos da Prelazia de Marajó e da Diocese de Ponta de Pedras, em pronunciamento sobre a triste situação econômica e de vida da região, não deixaram de homenagear padre Vieira e nominá-lo como inspiração daquela nova luta religiosa e social: “Diante dessa situação, os bispos da região de Marajó sentem-se no dever de homenagear o Pe. Antônio Vieira, cujo terceiro centenário de sua morte, comemoraram em 1997 as Igrejas de Portugal e do Brasil. Vieira chefiou, nos idos de 1659, a primeira expedição missionária ao Marajó e proclamou, em carta dirigida ao rei de Portugal, o extraordinário êxito da sua missão” (Pronunciamento, 1999:s/nº).
Conforme as escrituras dos bispos, Vieira, por ser “perseguido pelos colonizadores foi obrigado a voltar para Portugal e lá, no memorável Sermão de Epifania, proclamou a exigência evangélica para adotar um posicionamento da Igreja diante das injustiças praticadas contra o povo, sobretudo pelas Câmaras de Belém e São Luis” (Idem).
Na imorredoura memória do padre que não se curvou diante dos poderosos, os bispos marajoaras, mais de 300 anos depois, vestiram-se como Vieira para entrar, na arena da luta social, em defesa da dignidade, justiça e em prol de populações marajoaras subjugadas por poderes locais e regionais. Como se pode perceber, a confecção das teias do passado, cuja moldura é o retrato do erudito padre missionário, foi tão artisticamente tecida, que suas vestes e seus exemplos são reutilizados como armas na invenção de um presente às vivências marajoaras.
Por fim, é preciso ainda recuperar aspectos da ambígua importância dos missionários coloniais na história da região. No próprio pronunciamento dos bispos é possível depreender tais dimensões. Se o padre Antônio Vieira foi o único a conseguir estabelecer o acordo de paz em 1659, depois das sequentes derrotas portuguesas para nações Nheengaíbas, tornando possível o acesso e tráfego de canoas e embarcações aos rios marajoaras, acabou abrindo as portas da região à escravização e extermínio dos aborígenes. “Esse contato ‘pacífico’ teve efeitos perversos para as populações indígenas que foram deculturadas, destribalizadas, e dispersas pelo território amazônico e pela costa norte da América do Sul” (Idem).
As sofridas pelejas enfrentadas por homens e mulheres amazônidas empurradas para a contramão de benesses produzidas pela abertura da região ao capital internacional, na atualidade, precisam mais do que nunca, de acordo com a visão dos religiosos marajoaras e amazônicos, de um “Vieira a brandir o martelo de sua eloquência em favor dos sem-voz e sem-nada, solicitando aos ‘com tudo’ a conversão do coração e das atitudes, porque se não houver conversão, serão camelos tentando abrir o buraco da agulha para entrar no Reino dos céus” (MATA, 2005:46).
Nutrindo-se de aspectos do viver missionário colonial para reforçar sua atuação em territórios do grande labirinto de ilhas, a Ordem dos Agostinianos Recoletos recriou, na contemporaneidade, papéis exercidos pelos Jesuítas. Nesses meandros, manipulou memórias históricas, projetando-as conforme suas conveniências, justificando, entre os sentidos de sua presença na região, a necessidade de não esquecer os precursores da missão em tempos de recristianização.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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AGUIRRE, Salvador. La Prelatura de Marajó (Brasil). In: Misiones de los Agustinos Recoletos. Actas del Congreso Misional O.A.R. (Madrid, 27 agosto – 1 septiembre 1991). Studia 5. Roma, 1992. (Institutum Historicum Augustinianorum Recollectorum)
BARROSO, Antônio Emílio Vieira. Marajó: estudo etnográfico, geológico, geográfico na grandiosa ilha da foz do rio Amazonas. Manaus: Associação de Imprensa do Amazonas, 1953.
BENJAMIN, Walter. “Sobre o conceito de História”, In: Obras Escolhidas, vol. 1, SP, Brasiliense, 7ª edição, 1994.
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_____________________e CHAMBOULEYRON, Rafael. Fronteiras da Cristandade: relatos Jesuíticos no Maranhão e Grão-Pará (Século XVII). In: PRIORE, Mary Del e GOMES, Flávio. (org.) Os senhores dos rios: Amazônia, margens e história. Rio de Janeiro: Elsevier, 2003, pp. 33-60.
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segunda-feira, 7 de março de 2011

ESTADO DO PARÁ VAI CANDIDATAR APA-MARAJÓ AO MaB/UNESCO


desde a 1ª Conferência Nacional de Meio Ambiente, na reunião regional do Marajó (Muaná, 08/10/2003) a comunidade pediu que a área de proteção ambiental do arquipélago do Marajó, de que trata o art. 13, VI,§ 2º da Constituição do Estado do Pará - meramente no papel, diga-se de passagem -; fosse preparada para candidatura, conforme legislação do SNUC, à lista mundial de reservas da biosfera.

a moção foi assinada por organizações da sociedade civil, tais como a ong CAMPA, Grupo em Defesa do Marajó, GEDEBAM, CEMEM, Fórum DLIS tendo apoio da Diocese de Ponta de Pedras, AMAM e da companhia estadual de turismo PARATUR.

todavia, a classe empresarial manteve-se hostil ou pelo menos insensível à proposta, enquanto o setor ambiental do estado simplesmente anotou a carta de Muaná face à pressão popular durante a conferência estadual preparatória. Em Brasília, na Conferência Nacional, novamente o movimento social paraense teve que insistir com veemência para a proposta de reserva da biosfera do Marajó entrar em pauta. Assim, a UNESCO registrou o interesse popular e demonstrou simpatia pela idéia desde o início: notadamente, pelo fato de que grande parte da futura reserva da biosfera cobrirá mangues, que nas margens do Atlântico equatorial vem sofrendo dura diminuição com reflexo na reprodução de cardumes. Fala-se, inclusive, que o Atlântico pode se tornar um "deserto" de recursos pesqueiros.

A reserva da biosfera Amazônia-Marajó poderia ser o primeiro passo para corredor ecolôgico costeiro de toda Amazônia Azul, do Maranhão até o delta do Orenoco, na Venezuela. Portanto, na verdade, a APA-Marajó (determinada por dispositivo constitucional de 1989) somente saiu do papel graças à resistência marajoara a fim de servir de base à demanda da reserva da biosfera e, naturalmente, foi citada como instrumento para o programa estadual de macrozoneamento ecológico-econômico.

somente com o governo do PT (2007-2010) a APA-Marajó foi implementada com legislação complementar para finalidade de seu reconhecimento internacional na categoria citada. As diversas Ongs de prestígio internacional com atuação na Amazônia paraense ainda não se interessaram pela candidatura do Marajó ao programa da UNESCO, "O Homem e a Biosfera". Talvez isto se deva ao fato de que este é um programa multilateral e o financiamento de grandes Ong internacionais depende fortemente de empresas e cidadãos de determinadas nacionalidades, pouco dispostas a compartilhar com governos e entidades concorrentes manchetes e reconhecimento das comunidades tradicionais.

por outra parte, as reservas da biosfera brasileiras a começar da Mata Atlântica se acham, grosso modo, com "dever de casa" em atraso... Deste modo, a pergunta que não quer calar:

será a Reserva da Biosfera do Marajó mais uma dentre mais de 500 em todo mundo, ou teria ela o dom de produzir uma nova discussão sobre o MaB, no exato momento que se discute a crise do sistema industrial e a mudança climática?

Curiosamente, a candidatura em tela vem quando a "invenção da Amazônia" vai completar 400 anos, em 2015, junto com o fim de prazo para as metas do Milênio, combinadas com a ONU. Desde já, a iniciativa marajoara deverá servir para mostrar ao País e ao mundo a existência duma AMAZÔNIA MARAJOARA extraordinária: um bioma fluviomarinho único no planeta. Berço da ecocivilização amazônica destroçada pelo colonialismo europeu. Apesar do Brasil ter apenas meia dúzia de reservas da biosfera, enquanto paises menores tem mais do dobro; e estas poucas reservas brasileiras se encontrar em retardo para sua total implantação; assim mesmo o Brasil possui mais da metade de toda área de proteção ambiental do mundo. O que dá importante vantagem a nosso país em relação ao MaB, sendo de esperar que o programa venha a ter maior presença brasileira na sua atuação.

mas a mídia especializada, fortemente influenciada pelas grandes Ongs, trata muito pouco deste assunto. Marajó é uma "ilha" maior do que a Holanda e a mesorregião com mais de 100 mil quilômetros quadrados, localizada no delta-estuário da maior bacia fluvial da Terra, tem população e superfície comparável a de alguns países.

o debate sobre Marajó está longe de se reduzir sobre uma ilha qualquer, onde o IDH faz vergonha às pretensões de prestígio da sétima economia do mundo industrializado. Ele reacende o debate da revolução de 1930 sobre o Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, a saber o que seria mais importante ao processo civilizacional brasileiro: o barro dos começos do mundo neotropical ou o pedrão colonial da posse portuguesa.

Ou seja, qual exatamente a idade do "país do pau-brasil"? Os 500 anos do descobrimento ou, três vezes mais velho, com a ecocivilização inventada na ilha do Marajó, cerca do ano 500 da era cristã? Eis que um diálogo científico, sob égide da UNESCO, entre o delta do Nilo e o estuário Pará-Amazonas vem mesmo a calhar. O que, felizmente, já está em curso através de cooperação do Museu do Cairo e do Museu Paraense Emílio Goeldi.



UNESCO PODE RECONHECER O MARAJÓ COMO RESERVA DA BIOSFER

A Área de Proteção Ambiental (APA) Marajó, única área de proteção da natureza no Brasil criada pela Constituição Estadual, está prestes a se tornar uma Reserva da Biosfera. Em processo de reconhecimento pela Unesco - órgão das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura -, o maior arquipélago fluviomarítimo do planeta conciliará conservação com o desenvolvimento da população da região.


"Como Reserva da Biosfera, que é um reconhecimento internacional, todo produto do Marajó deverá ter um selo ecológico. Vamos elaborar projetos para que os produtos do Marajó, como o açaí, as madeiras de várzea, os campos naturais, a pecuária, a pesca de água doce e salgada, de peixe e camarão, entre outros, tenham selo verticalizando a produção", explicou Crisomar Lobato, Diretor de Áreas Protegidas (Diap) da Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema).


Reserva da Biosfera é um modelo adotado internacionalmente de gestão integrada, participativa e sustentável dos recursos naturais, com objetivos básicos de preservação da diversidade biológica, desenvolvimento de pesquisa, monitoramento e educação ambiental, desenvolvimento sustentável e melhoria da qualidade de vida das populações. "Uma Reserva da Biosfera também faz com que o poder político atue de acordo com os estudos existentes na área para indicar o caminho correto de desenvolver esses municípios", acrescentou Crisomar.


Banhada pelo Rio Amazonas e o Oceano Atlântico, a região do Marajó é formada por 16 municípios e possui várias áreas protegidas, entre unidades de conservação e comunidades remanescentes de quilombos, dentro de um meio ambiente peculiar de igapós, matas ciliares, várzeas e manguezais, espalhados por 104.139 km2.


Dentre as sete unidades de conservação existentes na Região do Marajó estão a Área de Proteção Ambiental (APA) Marajó, abrangendo os municípios de Afuá, Anajás, Breves, Cachoeira do Arari, Chaves, Curralinho, Muaná, Ponta de Pedras, Salvaterra, Santa Cruz do Arari, São Sebastião da Boa Vista e Soure, e o Parque Estadual Charapucu, localizado no município de Afuá, ambos sob a gestão da Sema.


A Reserva Ecológica da Mata do Bacurizal e do Lago Caraparu é gerenciada pelo município de Salvaterra. A Reserva Extrativista (Resex) Marinha, de Soure; a Resex Mapuá, em Breves, e a Resex Terra Grande-Pracuúba, localizada nos municípios de Curralinho e São Sebastião da Boa Vista, estão sob a gestão do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio), totalizando uma área de 381.804,63 ha.


Proteção integral - O Parque Estadual de Charapucu, no município de Afuá, criado em novembro de 2010, é a mais nova unidade de conservação criada pelo governo do Pará. Possui várzeas, igapós, matas ciliares e variadas espécies de vida animal e vegetal, algumas na lista dos animais em extinção do Estado. Esta unidade é de proteção integral - onde se permite apenas atividades de turismo, pesquisa científica e educação ambiental.


A criação dessa unidade de conservação de proteção integral, em Afuá, e de mais três previstas para serem criadas em 2011 e 2012, que fazem parte do planejamento da Diretoria de Áreas Protegidas da Sema, é recomendação da Unesco para que a APA Marajó obtenha o reconhecimento de Reserva da Biosfera.


Além da criação dessas unidades, também estão no Plano Operacional anual da Sema o apoio à gestão da Mata do Bacurizal, em Salvaterra, e o trabalho com o Projeto Quilombolas integrado ao Projeto Fortalecimento da Gestão Ambiental da APA Marajó, específico no município de Cachoeira do Arari.


A Secretaria Municipal de Meio Ambiente e as comunidades remanescentes de quilombolas, no município de Ponta de Pedras, receberão apoio também por meio de Acordo de Cooperação Técnica entre a Sema e a Secretaria de Estado de Transportes (Setran).


Este ano, equipes técnicas da Sema estarão em expedição na APA Marajó, fazendo levantamento e estudos dos aspectos referentes ao meio físico natural, biológico, social, econômico, questão fundiária, infraestrutura e saneamento básico. Em seguida, serão realizadas consultas públicas com as populações locais e organizações governamentais e não governamentais para a criação dessas unidades.


História e economia - A história mostra que durante o século XVII, missões religiosas se estabeleceram no Marajó e os jesuítas ergueram a primeira igreja na Vila de Joanes, em Salvaterra, município que juntamente com Soure investe no turismo, beneficiados por estarem localizados na parte da ilha mais próxima de Belém (3 horas de viagem pelos rios) e pelas belezas das praias e outros atrativos, como a gastronomia especial baseada nos pescados, na carne e no leite de búfalas.


A pecuária de búfalos (bubalinocultura), a produção do açaí, do coco, abacaxi e outras atividades tradicionais movimentam a economia do Marajó, numa intensa circulação de mercadorias e de passageiros pelos rios da região. Em Ponta de Pedras, existe a produção de energia eólica e a exploração de coqueirais para o aproveitamento da fibra do coco na indústria automobilística, em projetos da Universidade Federal do Pará (UFPA).


Em Breves, a indústria madeireira é a principal geradora de empregos. Os açaizais em Muaná ditam a economia com a exploração e até exportação do fruto e do palmito.

"Essa importância biológica com uma quantidade razoável de pessoas, aliada a uma política acoplada ao reconhecimento técnico - científico e também à vontade da população marajoara em assumir que vive dentro de uma reserva da biosfera, é possível aproveitar tudo que essa reserva tem a oferecer. Tenho certeza que em uma década teremos um Marajó razoavelmente desenvolvido em bases sustentáveis, garantido a melhoria para toda a população marajoara", concluiu Crisomar Lobato.


Leis Ambientais - O Sistema Estadual de Unidades de Conservação (Seuc) do Pará deve ser regulamentado pelo governo do Estado ainda este ano. O Seuc está criado na Lei Ambiental do Estado e, atualmente, segue o que rege a Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Snuc). A lei nacional determina que as Áreas Protegidas sejam distribuídas em Unidades de Conservação (UC), Reservas Legais, Áreas de Proteção Permanentes (APP) e Terras Indígenas e de Quilombolas.


O governo federal gerencia 10 UCs de Proteção Integral, no Pará, sendo cinco parques nacionais, três reservas biológicas e duas estações ecológicas. Dentro do Grupo de Uso Sustentável são 14 florestas nacionais, 19 reservas extrativistas, duas áreas de proteção ambiental e uma reserva de desenvolvimento sustentável.


Luiz Otávio Fernandes - Sema





http://www.agenciapara.com.br/noticia.asp?id_ver=73171

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

MEIO AMBIENTE É PAPO FIRME

POR QUE MARAJÓ É UMA CHANCE? É A ECONOMIA, MANO!

O Haiti brasílico é aqui e a África americana chegou primeiro nas Antilhas onde se iniciou a libertação de escravos na marra, com a brava revolução haitiana de 1791, vésperas da revolução industrial na Inglaterra. Crise colonial no longo século XIX, crise neoliberal no breve século XX, agora efeito estufa e Mudança Climática como sinal de fim de um mundo insustentável... Todavia, bom passo para solução da crise financeira, comercial e industrial das relações Norte-Sul, no momento, pode estar sendo costurado no extremo sul com as duas presidentas do Mercosul, Cristina da Argentina e Dilma do Brasil.

E nós com isto e aquilo? O Caricom (mercado comum do Caribe) poderá ser uma ponte especial entre América do Sul, África e Europa e terá em breve, na fronteira do Amapá com as Guianas, mais que um símbolo de ligação a inauguração da ponte de concreto sobre o Oiapoque. É bom saber o que fazer com ela depois de séculos de conflitos de fronteira, Contestado do Amapá, contrabando e ultraperiferização geopolítica.

QUATRO SÉCULOS DE INVENÇÃO DA AMAZÔNIA

Belém acaba de fazer 395 anos e deu um belo show popular comemorativo. Quem não gostaria de festejar acima de quaisquer inconveniências? Mas a gente não quer só pão e circo... As vésperas dos 400 anos de invenção da Amazônia colonial portuguesa (conquista de São Luís do Maranhão e fundação de Belém do Grão Pará, em 1615/16, sob pavilhão da União Ibérica) – por coincidência, fim de prazo das Metas do Milênio da ONU em 2015 –, o pacto federativo tem oportunidade de firmar marco histórico no estuário da maior bacia fluvial da Terra e significar firme determinação em estabelecer um novo paradigma econômico socialmente justo e ecologicamente sustentável, específico ao bioma fluviomarinho amazônico, integrado inclusive ao litoral do Amapá e Guianas conforme indica a ancestralidade geocultural da região. Que ninguém se engane é de história de fundo econômico que se está falando! A começar do escambo de “gados do rio” (peixe-boi, tartarugas e pirarucu) em troca de miçangas (facas, machados, espelho, contas de vidro, etc.) e de peixe defumado com valor de moeda corrente até o telefone celular e comércio eletrônico dos dias de hoje.

RENASCENÇA DA ECOCIVILIZAÇÃO AMAZÔNICA

Berço da ecocivilização amazônica de 1500 anos de idade, a ilha do Marajó ainda apresenta – apesar de tudo – , fragmentos do que foi no passado pré-colonial a singular Cultura Marajoara com vestígios da arte primeva do Brasil esquecida em acervos de grandes museus nacionais e estrangeiros em contraste com o analfabetismo e pobreza da gente marajoara. Na região central, a mais isolada da ilha, é comum aos viajantes ver urnas cerâmicas milenares servindo de depósito para água da chuva em casas modestas onde a alegria e inocência das crianças são o único motivo de esperança de dias melhores que hão de vir.

A resistência da brava gente marajoara face a inconsciência nacional é notável a quem quer que se dê à curiosidade! Ela é tributária da luta pela posse das ilhas do Pará e Amazonas desde tempos muito antigos entre povos Aruak e Tupi. Passa pela conquista e colonização do famoso “rio das amazonas” disputado por Hereges (holandeses e britânicos) e Católicos (hispânicos e portugueses) em meio a ambiguidades francesas, desde a contestação do “testamento de Adão” por Francisco I da França (tratado de Tordesilhas, homologado pelo papa Alexandre VI, dividindo o mundo descoberto ente Espanha e Portugal) até nossos dias.

Povos “primitivos” [índios e negros] estavam naturalmente excluídos da Civilização. Declarados “bárbaros” sob fundamento do pensamento imperial greco-romano subjacente à célebre polêmica entre o jurisconsulto Ginés Sepulveda e o teólogo Bartolomeu de Las Casas, convocados pelo imperador hispano germânico Carlos V para dirimir a grave questão moral da Conquista: “índio é ser humano”?

Como se sabe, a doutrina humanista de Las Casas foi derrotada na corte dos Reis Católicos... Os bárbaros do Novo Mundo conquistados e dizimados para ser escravos dos bons civilizados cristãos teriam, então, que lutar por diversas gerações e de várias maneiras para vir a ser gente de parte inteira no século XX, com a revolução russa de 1917, a vitória dos Aliados na II Guerra Mundial, os Direitos Humanos Universais (1946) e a proteção do Meio Ambiente a partir da década de 1970.

Isto que explica principalmente a história geral da “marronagem” (movimento de fuga e resistência à escravatura mediante formação de quilombos no interior da Colonia). Cujo ápice foi, sem dúvida, a revolução de libertação dos escravos do Haiti iniciada em 1791 pelo ex-escravo Toussaint l'Ouverture; largo movimento que teve influência em todas ilhas do Caribe e chegou a Amazônia, inclusive Pará; com a Cabanagem (1835/40), “contágio” republicano através da ocupação anglo-portuguesa da Guiana francesa em represália à invasão de Portugal por Napoleão (1809-1817).

A guerra de expulsão dos Hereges (1623-1647) deixou graves sequelas do conflito colonial entre populações de Belém, Marajó e Amapá. A Ilha Grande dos Nheengaíbas [Marajó] depois de três incursões bélicas de portugueses e aliados tupinambás repelidas pelos indígenas marajoaras, somente foi pacificada em 1659 pelos jesuítas comandados pelo Padre Antônio Vieira, cognominado “payaçu” (padre grande) pelos índios.

Com a pacificação dos Nheengaíbas, um novo conflito pelo controle das ilhas e índios escravos foi estabelecido entre colonos e missionários, resolvido em 1661 pela dura expulsão dos jesuítas do Pará e piorada pela prisão, processo e condenação de Vieira pelo Santo Ofício, réu de “heresia judaizante” como professor de um império mundial cristão em paz com a religião de Israel e de Maomé. A utopia sebastianista do Quinto Império esposada por Vieira (carta de Cametá, de 19/04/1659) está clara na motivação da carta de Belém à regente de Portugal dona Luísa de Gusmão, em novembro do mesmo ano, dando notícia da Missão do Pará e em especial das pazes do rio Mapuá (hoje a Resex Mapuá, município de Breves aonde o Presidente Lula foi entregar a uma mulher marajoara do Alto Anajás o primeiro título de autorização de uso de terra da União pelas populações tradicionais ribeirinhas). Pena que a burocracia não conhece a história do povo marajoara, pois assim o Brasil saberia que, precisamente, as etnias Aruã e Anajás – as mais belicosas da confederação dos “nheengaíbas” – foram marcadas para sofre a “guerra justa” (extinção ou cativeiro) evitada, felizmente, pela missão pacificadora do dito Payaçu.

Desgraçadamente, frustradas aquelas pazes entre brancos e índios com a falsidade da Real promessa (baseada na lei de abolição do cativeiro dos índios, de 1655; arranjada pelo Padre Antônio Vieira junto ao rei Dom João IV) de reconhecimento do território e liberdade dos sete cacicados dos Mapuá, Anajá, Aruã, Pixi-Pixi, Camboca, Mamaianá e Guaianá; em 1665 o novo rei Afonso VI (mais tarde deposto por seu irmão Pedro I de Portugal, por incapacidade mental) fez doação da ilha dos Nheengaíbas a seu secretário de estado dom Antônio de Macedo de Sousa como capitania hereditária, dali avante Ilha Grande de Joanes (1665-1757) ou Marajó até agora depois da incorporação à coroa de Portugal (1757) e adesão de Muaná ao império do Brasil, em 28 de maio de 1823.

O donatário da Ilha Grande de Joanes ou Marajó nunca pôs os pés no Pará, mesmo assim de Lisboa ele nomeou capitão-mor, servidores e concedeu sesmarias que não puderam se instalar se não mais tarde. Depois que o carpinteiro Francisco Rodrigues Pereira, em 1680, meteu a peito atravessar de Belém para a Ilha com umas cabeças de gado bovino e cavalos a bordo importados de Cabo Verde para levantar curral à margem do rio Arari; fazendo face ao perigo dos índios bravios, desertores e escravos refugiados que viviam nos centros da ilha. Quer dizer, desde a construção do Forte do Presépio (1616) os colonizadores do Pará tiveram que esperar 64 anos para colocar os pés na margem esquerda da baía do Marajó, dita justamente “Costa-Fronteira do Pará”, mantida defesa aos conquistadores.

Aquela costa brava foi sendo possuída sob a pata de bois, cavalos e mais tarde de búfalos que hoje são como um milhão de cabeças. Mais que o dobro do número de habitantes em toda a mesorregião. Na verdade a verdadeira paz social ainda está por fazer e o “Plano de Desenvolvimento Territorial Sustentável do Arquipélago do Marajó” (PLANO MARAJÓ) ainda poderá ser a reconstrução daquelas frustradas pazes do século XVII, arquitetadas com engenho e arte pelo Payaçu dos índios.

UM PRESENTE DE ANIVERSÁRIO PARA BELÉM DA AMAZÔNIA

Que melhor presente ao 4º centenário de Belém do Pará (2016) do que o reconhecimento formal de sua paisagem cultural no patrimônio da UNESCO? Esta conquista pode vir associada à construção de grande aquário amazônico na velha Cidade, sua admissão na rede mundial de metrópoles integrando a área metropolitana à futura reserva da biosfera do Marajó e ao corredor da biodiversidade do Amapá.

Muita loucura? Loucura desconforme é trocar direito de primogenitura da Amazônia brasileira por um prato de lentilhas do “modelo” exportador de matéria-prima e trabalho barato para não dizer semiescravo. A mais valia do desenvolvimento socioambiental sustentável a troco de mais uma década de devastação, seguida de colapso ambiental e depressão econômica. Muito mais grave do que foi a crise da Borracha, na década de 1930/40.

Note-se que a maior concentração demográfica da Amazônia se acha às margens dos grandes rios, no estuário e na costa marítima. Hoje a população total está em torno de 25 milhões de habitantes enquanto naquele tempo não havia desmatamento nem mudança climática por efeito estufa. A emissão potencial de carbono pela queima de petróleo extraído do pré-sal, por exemplo, poderá vir a ser grandemente mitigada por políticas compensatórias ligadas à preservação florestal e reflorestamento na Amazônia. O turismo e a indústria cultural no setor de serviços também poderão ter papel relevante para criação de empregos e renda a par da produção de alimentos e agregação de valor à cadeia produtiva minerária e madeireira.

Aos menos avisados, por incrível que pareça, o elo de um tal engenho marajoara poderia, por acaso, achar-se na articulação de Brasília com a distante Sofia (Bulgária): país da União Europeia pouco maior que a mesorregião do Marajó; sito às margens do Mar Negro e fronteira da Turquia, região donde Orellana e Carvajal importaram a lenda das mulheres “amazonas” para batizar a velha terra dos tapuias...

Extraordinária coincidência o fato da Presidenta do Brasil ser descendente búlgara e a diretora-geral da Unesco cidadã do dito país da Europa central. Quem sabe Irena Bucova, por causa da verde Amazônia, encontrará em Dilma Rousseff uma aliada de primeira linha a fim do requentado MaB ganhar vigor e vir alavancar a UNESCO na virada da segunda década do século XXI? É preciso acreditar no poder miraculoso das regiões ultraperiféricas na invenção do Futuro! Foi dito no passado que Belém do Pará não seria menor que outras “casas do pão” (Bethlehem) e a revolucionária literatura brasileira fez Cristo nascer na Bahia ou em Belém do Pará. Mas, Coudreau vaticinou o avenir de Belém do Para: “rainha das águas quentes” da América tropical. Eidorfe Moreira nos mostrou a expressão geográfica da cidade fundada pela união de armas ibéricas e tupinambás.

Somados o mosaico de áreas protegidas do Pará na região marajoara ao corredor da biodiversidade do Amapá, o Brasil tem neste bioma espaço de conservação ambiental equivalente a duas vezes o tamanho de Portugal, por exemplo. Um desafio à inovação em C&T aplicada à erradicação da Pobreza e ao uso sustentável dos recursos naturais e culturais. Nunca é demais repetir que o ecossistema da ilha do Marajó pariu a primeira cultura complexa da Amazônia, arte primeva do Brasil.
A ecologia já disse o que tinha a dizer. A hora é dos economistas provar a possibilidade do meio ambiente gerar riquezas duradouras e os políticos dar um basta à devastação. Em primeiro lugar, sem mais demoras, carece ultimar a candidatura da Reserva da Biosfera Amazônia Marajó à UNESCO. Para isto, seria de bom alvitre a Associação de Municípios do Arquipélago do Marajó (AMAM), em concurso com a FAMEP e CNM Internacional, solicitar à Secretaria de Estado de Meio Ambiente (SEMA-PA) e à Cátedra da UNESCO no NAEA/UFPA parceria para oficializar o projeto junto à Comissão Brasileira do Programa Homem e Biosfera (COBRAMAB).

O Brasil aderiu ao Programa Homem e Biosfera (MaB) da UNESCO criando a COBRAMAB através do Decreto 74.685 de 14 de Outubro de 1974, coordenada pelo Ministério de Relações Exteriores. Em 21 de Setembro de 1999, redefiniu a composição, estrutura e coordenação da COBRAMAB que passou a vincular-se ao Ministério da Meio Ambiente. À Comissão cabe planejar, coordenar e supervisionar no País as atividades relacionadas ao Programa “O Homem e a Biosfera”, promovido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO. Entre as finalidades está a criação e apoio à implantação das Reservas da Biosfera no Brasil, bem como da Rede Brasileira de Reservas da Biosfera.

PERDE-SE A BATALHA DO DESMATAMENTO, MAS PODE-SE GANHAR A GUERRA DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

Estigmatizado como um dos estados brasileiros que mais desmatam a Floresta Amazônica, o Pará entretanto dispõe de instrumentos não só para conservar o meio ambiente, mas sobretudo para fazer com que suas áreas protegidas e unidades de conservação tornem-se polos econômicos indutores de desenvolvimento sustentável. Com vontade política firme e pesquisa intensiva, o Pará poderá assumir a vanguarda na luta contra a pobreza das comunidades locais e inovação tecnológica para estabelecimento de novo paradigma de uso sustentável de recursos naturais e culturais tradicionais.

É claro que o governo federal ou o estado não podem fazer milagre. Para tanto, é necessária a união dos municípios e engajamento da sociedade como também a cooperação internacional que pode prestar significativa colaboração, afinal vantajosa para todo mundo. Órgãos públicos tais como o IPEA e IDESP deveriam oferecer à sociedade um quadro econômico do que o conjunto das unidades de conservação atuantes já produzem atualmente e do potencial que elas poderiam assegurar com investimentos adequados.

DESCER DAS NUVENS PARA TOMAR PÉ DA REALIDADE,
MAS JAMAIS RENUNCIAR AO SONHO.

Existe uma economia real não-monetária que deve ser considerada se quisermos abordar o chão da realidade amazônica. Além do desmatamento há devastação de usos e costumes, pirataria de conhecimentos tradicionais que implicam numa enorme evasão de riquezas imponderáveis e alienação de recursos não renováveis. Nós temos sentimento da histórica reivindicação da herança dos engenheiros dos tesos (sítios arqueológicos) da ilha do Marajó e arquitetos da Cultura Marajoara de 1500 anos de idade. Pois era isto que aqueles primitivos inventores foram, engenheiros de aldeias suspensas sobre campos alagados e arquitetos de um modo de vida que hoje ainda resiste à invasão cultural da região.

Não é aceitável o fato da engenharia moderna não acertar com o saneamento urbano no trópico úmido e a arquitetura insistir com a construção de imóveis inaptos para o clima da região e os hábitos da população; quando a conquista do espaço extraterrestre prova a capacidade inventiva de homens e mulheres para encontrar soluções técnicas aos mais encrencados problemas que se apresenta. O nome desta grave leniência de que são vítimas populações tradicionais, em nome da Modernidade, é colonialismo científico e tecnológico. Praticado, às vezes, por naturais da região diplomados em universidades locais por mestres e doutores envergonhados de usos e costumes de seus avós. Todavia, a história dialética advertiu desde Marx e Engels que o homem pode compreender as leis da natureza, eventualmente usá-las em proveito próprio, porém nunca poderá modificá-las. Assim, a biodiversidade é a regra “universal” e a diversidade cultural as várias tentativas humanas de habitar o tempo próprio de cada espaço. O diálogo centro-periferia implica mão e contramão.

POR QUE ÍNDIOS, QUILOMBOLAS E CABOCOS SÃO CORAÇÃO PULSANTE DAS REGIÕES AMAZÔNICAS?

Por que as populações tradicionais são guardiãs do “paraíso” prometido aos “Eleitos”... Hoje já podemos afirmar que o maior obstáculo ao desenvolvimento regional sustentável é de ordem política: oriundo do embate entre distintas classes altas urbanas de diferentes nações, mal acostumadas a viver às expensas do suor alheio para extração de recursos da natureza e da ignorância histórica da pequena burguesia: embora sejam determinados municípios palco dos piores acontecimentos retratados na mídia em matéria de degradação socioambiental; a verdade demonstra que mais de 57% da superfície do Estado do Pará está, legalmente, sob estrita proteção institucional. Logo, se este espaço tivesse destino econômico a par da função protecionista que tem, como manda o figurino ambientalista e dos direitos humanos; o Pará seria uma grande potência de primeiro mundo... A realidade é bem diferente, como se sabe.

Todavia, fica claro que a camada social mais privilegiada da sociedade regional vê com maus olhos a criação de reservas sejam elas de que categoria forem, pois sem conhecer mais do que o cabeçalho da notícia classificam logo através de porta-vozes como “engessamento” do desenvolvimento. Um estrangeiro terá dificuldade em dominar a língua particular da imprensa do país tendo o noticiário como material “didático”. A linguagem política, entretanto, é mais velada ainda do que a do oráculo da Sibila de Delfos... Dizendo tudo esconde a ponta da meada.

Talvez, doravante, uma fiscalização mais eficiente das unidades de conservação e áreas de proteção possa ser feita em parceria estratégica com o INPE e SIPAM, todavia serão sempre as próprias comunidades locais amparadas por força-tarefa de campo, com exemplo do Projeto Nossa Várzea [PLANO MARAJÓ / programa Territórios da Cidadanis]; que poderiam fazer a diferença mediante apoio interministerial reunindo MDS, MCT, MME, MS, MINC e outras pastas com amplo atendimento do Plano Nacional de Banda Larga (PNBL): é preciso encurtar o percurso entre programação federativa e execução local.

Sobretudo, as respectivas ouvidorias deveriam ser mais ágeis e efetivas para animar a democracia participativa em todos rincões da “fátria” (sic) amada Brasil. A FUNAI identifica 64 Terras Indígenas no Estado do Pará, das quais 45 como áreas identificadas, demarcadas, homologadas ou registradas no total de 30.902.743 ha (24,80%) do território paraense. E 19 sem áreas definidas. Essas Terras Indígenas somadas às Unidades de Conservação (40.866.360 ha - 32,75%) perfazem 71.769.103 ha, correspondendo a mais da metade do território paraense.

Dizem os críticos desta política que é muita terra para poucos índios. Pensando o desenvolvimento da maneira colonialista costumeira parece que os contrários tem razão: porém o público em geral não percebe que, de direito e de fato, tudo isto é território da União. Ou seja, de todos brasileiros no Estado democrático de direito. Dentro da autonomia do município e do estado, a Terra Indígena, o Quilombo ou unidade de conservação federal; não deve ser interpretada como enclave ou feudo impermeável à comunidade envolvente. Pelo contrário, a presença da União dentro do território estadual e/ou municipal deve ser um elo mais forte do sistema federativo. Oportunidade para parceria mais intensa entre o município, o estado e a União. Quando isto não acontece é preciso diagnosticar a causa da disfunção.

NATUREZA SEM FRONTEIRAS E GEOGRAFIA DE COOPERAÇÃO.

O Corredor da Biodiversidade do Amapá compreende mais de 10 milhões de hectares, espaço geográfico maior que Portugal, protege vários ecossistemas – mangues, cerrados, florestas tropicais, florestas de altitude e terras alagadas –, está localizado entre o escudo das Guianas e o estuário do rio Amazonas.
O corredor é composto por um conjunto de áreas protegidas, que representam 54,8% da extensão do Estado do Amapá. São 12 unidades de conservação contando dois Parques Nacionais, uma Reserva de Desenvolvimento Sustentável, três Estações Ecológicas, três Reservas Biológicas, uma Reserva Extrativista, uma Área de Proteção Ambiental, uma Floresta Nacional, além de quatro Terras Indígenas (Juminá, Galibi, Uaça, Waiapi) que reúnem 4.500 indígenas, aproximadamente. Estas unidades serão conectadas por novas áreas formando mosaico de uso sustentável como sistemas agroflorestais ou de ecoturismo.

Uma vez que a UNESCO reconheça a Área de Proteção Ambiental do Arquipélago do Marajó (APA-Marajó, cf. Art. 13, VI, §2º da Constituição do Estado do Pará) como Reserva da Biosfera Amazônia Marajó; naturalmente os dois estados brasileiros vizinhos no estuário do Amazonas poderão celebrar convênio de cooperação interestadual mediante parceria com o Governo Federal. Deste modo, estarão dadas as bases para corredor ecológico costeiro da Amazônia azul.

A APA-Marajó foi determinada pela promulgação da Constituição do Pará em 05/10/1989, ela tem por finalidade elaborar e executar o zoneamento ecológico-econômico estadual na mesorregião, visando a conservação da biodiversidade, o desenvolvimento e melhoria da qualidade de vida da população marajoara. Preservar espécies ameaçadas de extinção e de amostras representativas dos ecossistemas implementando projetos de pesquisa científica, educação ambiental e fomentando atividades de ecoturismo.

Depois de 21 anos do dispositivo constitucional que institucionalizou a APA-Marajó, o Estado do Pará criou o Parque Estadual Charapucu; a 21ª unidade de conservação por ordem cronológica sendo a primeira, em 1989, conforme supracitado. O parque está dentro do espaço fisiográfico da APA, no município de Afuá, e tem potencial de constituir elo de ligação com o Corredor da Biodiversidade do Amapá, na margem esquerda da foz do rio Amazonas. Visa à preservação de ecossistema de incomparável beleza paisagística selvagem, realização de pesquisas científicas, desenvolvimento de turismo ecológico de base comunitária e educação ambiental; conforme decreto nº 2592, de 09/11/2010. A Unidade de Conservação possui área de 65.181,94 ha e está sob gestão da Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema), para administrar e presidir o conselho consultivo e também adotar medidas necessárias à efetiva proteção e implantação do Parque de Charapucu.

O Parque faz parte de um conjunto de quatro unidades de Conservação da Natureza de Proteção Integral no Arquipélago do Marajó e é a primeira zona núcleo da futura Reserva da Biosfera do Marajó. A Reserva da Biosfera será composta por 12 municípios totalizando cerca de 333 mil habitantes, numa área maior do que o estado do Rio de Janeiro, o principal objetivo do Parque Estadual Charapucu é impulsionar o projeto da Reserva da Biosfera da Amazônia Marajó. Caracterizado por ecossistema de várzeas e igapós integralmente preservados com áreas nunca exploradas, apresenta características puramente amazônicas. Na área, podem ser encontrados rios de águas brancas barrentas por influência do rio Amazonas e rios de águas pretas, que descem dos campos alagados da ilha do Marajó.
Bioma costeiro amazônico e único lugar onde ainda há encontro das espécies de peixe-boi amazônico e marinho. O Parque possui áreas de muito difícil acesso, totalmente isoladas e preservadas, com recursos biológicos intactos. Cercado por 35 comunidades tradicionais, o parque foi criado com adesão dos habitantes da localidade, que serão assistidos pela gestão do parque através de projetos de desenvolvimento local sustentável.

Antes do governo do Estado criar a APA-Marajó, em 1989, o município de Salvaterra antecipou-se na criação da Reserva Ecológica da Mata do Bacurizal e do Lago Caraparu, através da lei municipal nº 109, de 19/06/1987: exemplo que deveria ser seguido por outros municípios. Todavia, a Floresta Nacional de Caxiuanã é a mais antiga unidade de conservação da mesorregião do Marajó, criada pelo decreto federal nº 239, de 28/11/1961; a floresta é gerida atualmente pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), localizada na baía de Caxiuanã ela abrange os municípios de Portel, Melgaço, Gurupá e Porto de Moz. Na Floresta Nacional de Caxiuanã, área do município de Melgaço, se acha a Estação Científica Ferreira Penna vinculada ao Museu Paraense Emílio Goeldi, com 33.000 ha, objeto do Convênio IBAMA/CNPq/MPEG nº 065/90, publicado no DOU em 10/07/90.
Espera-se que com a possível aceitação pela UNESCO da candidatura da Reserva da Biosfera Amazônia Marajó, a Estação Científica Ferreira Penna e a Floresta Nacional de Caxiuanã venham a receber reforço de meios para desempenhar papel de grande relevo no conjunto de unidades de conservação que ora estamos a descrever.


Dentre as mais UCs, destacamos a Reserva Extrativista Marinha de Soure, primeira desta categoria em toda Amazônia. Esta Resex de gerência do ICMBio foi criada por decreto federal, sem número, datado de 22/11/2001, publicado no DOU de 23/11/2001. Um exemplo de resistência e luta das populações tradicionais da pesca artesanal frente à intolerância e desconsideração de uma história que vem da época colonial com o cativeiro dos índios Maruaná (“maruanazes”) no Pesqueiro Real (patrimônio da Coroa) para pescaria e defumação de peixes transportados a Belém para pagamento de soldos, vencimentos e côngruas com que a colônia sustentou tropas, servidores públicos e padres. Parceria entre Prefeitura, Resex e o campus da UFPA no Marajó poderia incentivar o ecoturismo de base comunitária, com potencial para observadores de pássaros em ninhais na Ponta do Maguari, inclusive.

Do mesmo modo, a Reserva Extrativista Mapuá desperdiça oportunidade de parceria estratégica com os campi da UFPA e do IFPA , Prefeitura Municipal de Breves e Museu Paraense Emílio Goeldi: acredito que o ICMBio deveria ter a iniciativa neste sentido contrariando críticas gerais que regularmente se faz nos municípios a respeito da falta de diálogo entre UCs e população de vizinhança. Em todo estado falta interesse acadêmico sobre a histórica pacificação dos índios “nheengaíbas” [Marajoaras], que segundo carta do padre Antônio Vieira datada de Belém a 29/11/1659 destinado à regente do reino de Portugal, teria tido como cenário o “rio dos Mapuases” [Mapuá].

O alto Mapuá, rio de água preta; constitui o chamado “apogeu igapóreo” mencionado por Eidorfe Moreira em sua obra “O igapó e seu aproveitamento”. Neste sentido, o Braço Esquerdo do Mapuá poderia vir a ser uma das áreas-núcleos da futura Reserva da Biosfera Amazônia Marajó com seu entorno em parceria com a comunidade do Cantagalo: para isto o ICMBio precisa tomar iniciativa em direção à comunidade.

Na margem direita do rio Parauaú, microrregião de Portel, o município de Oeiras do Pará, antiga aldeia de Araticum; teve a criação da Reserva Extrativista Arióca Pruanã pelo decreto federal de 16/11/2005 (DOU 17/11/2005). O município de Gurupá apresenta a modalidade de Reserva de Desenvolvimento Sustentável Itatupã-Baquiá, com 64.735 há, criada por decreto federal de 14/06/2005 (DOU 15/06/2005), uma combinação com ênfase na pesquisa em parceria com a comunidade tradicional. Mais recentemente, deu-se a criação da Resex Terra Grande – Pracuúba em 05/06/2006 (DOU 06/06/2006) com 194.695 há nos municípios de Curralinho e São Sebastião da Boa Vista.

Por decreto de 30 de novembro de 2006 (DOU de 1º/12/2006), foi criada ainda a Reserva Extrativista Gurupá-Melgaço, nos municípios de Gurupá e Melgaço, com área aproximada de 145.297,54 ha. A Resex tem por objetivo proteger os meios de vida e a cultura da população extrativista residente na área de sua abrangência e assegurar o uso sustentável dos recursos naturais da unidade.

Além destas reservas extrativistas temos ainda terras de quilombo e comunidades ribeirinhas dotadas de autorização de uso de terras públicas e plano de manejo comunitário. Este enorme espaço territorial poderia ser objeto de uma inovadora política socioambiental casando economia solidária e trade, sem preconceito. Os próprios cabocos, ao contrário do que pareça, não se opõem a parcerias com fazendeiros e empresários: o que falta é que o poder público seja árbitro e parceiro institucional para contrabalançar o peso dos antigos senhores e dando fim ao caduco regime de sesmaria dos barões de Marajó.

O sofrimento dos antigos escravos pode ser visto no Museu do Marajó sob forma de uma cultura de resistência, tanto do índio quanto do negro até a astúcia de seus descendentes chamados “caboclos” pelo dominador “branco” não necessariamente étnico, mas seguramente representante de estamento social opressor pouco consciente de parte a parte. Foram muitas décadas de fuga das senzalas ou retiros para quilombos inseguros no período colonial e do Império que ainda hoje não acabou completamente. Pela ótica da elite paraense, a Ilha do Marajó é paraíso da invejada minoria de fazendeiros. Por outro lado, um território devastado com forte desigualdade social, onde comunidades tradicionais como os quilombolas estão cercados por terras de fazendas improdutivas e decadentes. Prejudicados em seu direito de ir e vir que testemunham condições análogas à velha escravidão de seus antepassados.

Pior que a pecuária extensiva e o latifúndio improdutivo cujas cercas vão da cidade de Chaves, na costa norte, até ao lado oposto em Ponta de Pedras, é a chega da especulação do agronegócio, a contaminação da água superficial e do lençol freático por fertilizantes e agrotóxicos de fumigação aérea que os grandes arrozais de escala estão ameaçando com a chegada de forasteiros. Certamente, a invasão de arrozeiros deixará saudade dos fazendeiros, e os quilombolas e a população ribeirinha do Marajó serão as maiores vítimas junto com as aves envenenadas e extermínio anunciado de espécies de abelhas nativas polinizadoras da flora no especialíssimo ecossistema.
Se no vasto mundo tudo se relaciona e está interligado, imagina no bioma insular do estuário amazônico! Os problemas dos quilombolas da Ilha de Marajó vão desaguar nos subúrbios de Belém e pesar no orçamento urbano das mais cidades além da tolerância da sociedade e dos governos com o latifúndio improdutivo e a lentidão da titularização e regularização de terras.

Alguns “donos” de terra são tão pobres ou mais que “seus” moradores... Em junho de 2007, o grupo móvel de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) libertou 30 pessoas em regime de escravidão na fazenda Santa Maria, no município de Soure. O grupo cuidava da criação de búfalos e alguns dos trabalhadores moravam no local há 20 anos. Há proprietários que exercem profissões liberais e residem na capital do estado. Estes não dependem do resultado da fazenda para viver deixando-as entregues a feitores pouco ou nada capacitados e instruídos para as tornar lucrativas. As casas-grandes e retiros são como relíquias de família guardadas com ciúme, também há os mais dispostos a enfrentar os problemas e investir no turismo, mas também estes pouco inclinados a melhorar as condições de vida da população.

A organização social das comunidades tradicionais para empreender em economia solidária poderia, certamente, ser amparada pelo poder público e incentivada a estabelecer parcerias com empreendedores privados mediante sistema verificável e transparente para conquista de novos mercados. O melhoramento genético de búfalos para carne e queijo em pecuária familiar aberta ao turismo em fazendas-hotéis é bem um exemplo dentre muitas possibilidades. As 16 comunidades quilombolas concentradas, sobretudo, em Salvaterra e Soure, queixam-se de viver sem amparo da lei.

Aparentemente, a presença do Estado deveria facilitar a pacificação dos espíritos e incentivar a cooperação de vizinhança entre fazendeiros e comunidades. Entretanto, a ambição pelo voto popular por uma parte e influências familiares nos aparelhos de governo agravam conflitos históricos. Assim, fazendeiros que oferecem serviços turísticos e conservam o meio ambiente reclamam da caça ilegal em suas propriedades praticadas por quilombolas e usuários de reserva extrativistas. Inversamente, estes últimos se dizem perseguidos pelos proprietários vizinhos e impedidos de transitar por trilhas costumeiras através das fazendas.

Pode-se dizer, então, que existe a privatização da paisagem natural e que esta deveria antes ser recurso para melhoria do IDH da ilha, em sentido amplo; a começar de uma efetiva educação patrimonial donte a natureza está implícita. Seria ingênuo acreditar que costumes seculares de confronto não predispõem a conflitos de hoje que se agravam e vão repercutir ao largo da ilha na formação de quadrilhas de roubo de gado, ataques piratas a embarcações que atravessam a baia com passageiros. Verdade ou boato, correm informações entre os excluídos que fulano ou sicrano, “pai de família levou um tiro por se encontrar pescando pra matar a fome num igarapé dentro de tal ou qual fazenda”. Reina desconfiança nas relações entre fazendeiros e comunidades vizinhas, e portanto o turismo que poderia ser um empreendimento bom para todos se torna num elemento a mais de apartação e ressentimento.

Seria excessivo falar em “apartheid” na ilha do Marajó? O romanceiro de Dalcídio Jurandir construiu a metáfora da “cerca” que isola a população pobre da pequena vila na beira do rio Arari dos campos de Cachoeira com suas orgulhosas fazendas. Decorridos setenta anos do primeiro romance, em Salvaterra o vilarejo de Bacabal vive cercado e obrigado a pedir passagem pelo portão da fazenda vizinha. Segundo moradores o portão e a cerca se situa rente às casas impedindo os quilombolas transitar entre Bacabal, Pau Furado e Bairro Alto, impedidos inclusive de visitar seu cemitério que ficou dentro da fazenda. Aqui só um exemplo remanescente do antigo regime que imperou outrora na grande ilha: forte motivo de impedição do desenvolvimento territorial sustentável.

Quem entrevistar qualquer proprietário de fazenda, certamente, ficará surpreso com relato de ingratidão dessa gente, donde inúmeros compadres, madrinhas, afilhados e afilhadas. Um sociologia complicada que não está ao alcance de amadores, mas esconde a possibilidade de enorme sucesso sob condição de que entre tais comunidades apareça um bom discípulo de Nelson Mandela, que infelizmente ainda não deu nenhum sinal a se tirar pelos comunitários que ascenderam na vida social e bem cedo se tornaram tão “brancos” quantos outros mandados vivos ao Diabo, conforme o lendário popular em todo arco da colonização, das Antilhas e Amazônias.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

CARTA ABERTA AOS PREFEITOS DO MARAJÓ

Estimados Conterrâneos,

Feliz Ano Novo!

Na pessoa do Presidente da Associação dos Municípios do Arquipélago do Marajó (AMAM), Pedro Rodrigues Barbosa, Prefeito de Portel; saúdo a todos mais dirigentes municipais do território federativo.

Faço uso do importante meio eletrônico de comunicação na qualidade de cidadão da Amazônia Marajoara e, sobretudo, como servidor público de razoável curriculo por serviços prestados, inclusive à própria AMAM como o senhores devem saber.

Sei que pela responsabilidade do cargo eletivo que os Senhores ocupam, todos se acham preocupados para fazer o melhor possível pela população dos respectivos municípios e, em geral, pela região do Marajó como um todo. Portanto não venho aumentar suas preocupações ou dar lições a respeito do que deviam fazer.

Acho, todavia, que todos nós marajoaras com responsabilidade de governo ou na sociedade devemos estabelecer acordo acima de nossas particularidades a fim de sensibizar os novos governanantes do Estado e da União, mas sobretudo os cidadãos paraenses e brasileiros em geral; para oportunidades que Marajó oferece além de velhos problemas já conhecidos de todos.

Com isto não quero dizer para se esquecer "eternos" problemas que perseguem a brava gente. Mas sim que os senhores não se deixem afogar por eles e perder de vista chances raras, que como os cabocos dizemos, são "cavalos selados" prontos para montar. Se acaso fossemos jogar conversa fora, rapidamente podíamos constatar diversos "cavalos selados" que se perdem por falta de tempo e de entendimento.

Meu velho pai, caboco pontapedrense, dizia que por causa de um grito dado em hora errada pode-se perder uma boiada. E por falta de um grito se pode perder outra boiada. Trata-se, evidentemente, de saber discernir a hora e a vez das coisas.

A mim não me custa nada calar e ficar quieto se tudo vai como Deus consente. Porém quando uma palavrinha poderia ajudar a melhorar os acontecimentos, eu não me faço de rogado. Com isto queria dizer que, me parece agora, estamos em boa hora de AGIR e INTERAGIR mais frequentemente. Em grande parte por conta da INTERNET, mais poderosa que a famosa rádio cipó! Vejam, por exemplo, o tempo que a gente precisa para ir mandar recado por portador em canoa-motor de Belém ao furo Boiuçu, em Breves: com a internet banda larga a notícia vai e volta enquanto o Diabo pisca um olho...

Por outrar parte, em matéria de parceria muitos acham que para colaborar uns com os outros as pessoas precisam vestir a mesma camisa de clube, ir à mesma missa ou culto, militar no mesmo partido ou servir unicamente ao governo como o cão a seu dono, comungar das mesmas idéias e opiniões sem a menor crítica. Mas é claro que ninguém precisa mudar de lado para identificar interesses comuns e trabalhar em mutirão capaz de afastar perigos à coletividade ou melhorar a vida de todos.

Isto posto, caso os senhores não tenham decidido antes, venho por este meio sugerir que aproveitem melhor a maré dos acontecimentos para estabelecer prática solidária de PORTAS ABERTAS ao público. Notadamente, atuando em conjunto com a AVIM para criar fórum permanente em rede de câmaras municipais e/ou prefeituras e a sociedade municipal, tendo centro em Belém junto à AMAM.

A guisa de pauta deste fórum sugiro debate dos seguintes assuntos de interesse geral:

I - Avaliação do PLANO MARAJÓ / Território da Cidadania (2007/2010) e planejamento para 2011/2014);

II - Mobilização para inclusão de todos municípios do Marajó no Plano Nacional de Banda Larga (PNBL) com aplicação de ensino à distãncia através da rede de escolas municipais e apoio de telemedicina às comunidades isoladas;

III - Agilização do processo estadual para candidatura do Marajó ao "Programa O Homem e a Biosfera" (MaB) como reserva da biosfera da UNESCO;

IV - Tombamento da Cultura Marajoara no patrimônio cultural estadual e nacional, com aproveitamento para desenvolvimento do turismo, da educação científica e tecnológica e promoção da indústria cultural em todos municípios da região;

V - Iniciativa solidária para compartilhar com todos os municípios a Casa do escritor Dalcídio Jurandir e Museu do Marajó, com sede em Cachoeira do Arari, mediante extensões em parceria com o IBRAM e SIM/SECULT


VI - Estudo em cooperação internacional e federativa para inclusão da APA-Marajó e futura reserva da biosfera em corredor ecológico com o Amapá e as Guianas, destinado principalmente ao fomento do ecoturismo e produtos de linha verde;

VII - Pesquisa de impacto ambiental para perenização do lago Arari e revitalização do interfluxo central dos rios Anajás e Arari, de modo a facilitar o fluxo de embarcações regionais de passageiros e carga e servir ao turismo entre os municípios.

Como os senhores podem ver, são apenas apontamentos de oportunidades podendo suscitar debate e aprofundamento de estudo através do supracitado fórum a ser coordenado pela AMAM.

Saudações Marajoaras,
José Varella Pereira

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

RESERVA DA BIOSFERA MARAJÓ PRA QUE TE QUERO?

Desde a era Vargas, planos de “valorização” e de “desenvolvimento” da Amazônia têm gerado mais destruição do meio ambiente e desvalorização da cultura das populações tradicionais, pobreza de muita gente e concentração de renda em mãos de poucos não exatamente filhos da terra; do que valorização e desenvolvimento propriamente ditos.

Prova de que o planejamento econômico e a decisão política para as regiões amazônicas ainda não encontrou a fórmula justa e perfeita do “desenvolvimento sustentável”, cantado em prosa e verso. Portanto, urge acertar a mão! Quem fizesse o prodígio mereceria prêmio Nobel.

Como seria possível acontecer algo assim socialmente justo, economicamente durável e ecologicamente sustentável em meio à louca corrida diante de fortes e contraditórias pressões para preservar e crescer infinitamente?

Existe consenso de que a saída é zoneamento ecológico-econômico estabelecido pelos estados com apoio da União levado a cabo pelos municípios. Até aí há acordo de princípio. Todavia, no campo da realidade a vaca vai para o brejo quando se constata que macro zoneamento serve para dar rumo, porém no detalhamento local a porca torce o rabo.

Relatório do Ministro-Chefe da Controladoria-Geral da União, Jorge Hage Sobrinho; sobre o descontrole dos municípios mostra, claramente, que o furo das políticas públicas é mais embaixo. Assim, não há Tribunal de Contas nem punição que dê jeito. Quem é punida é a sociedade em geral porque o resultado a má gestão local não se confina e vai estourar o orçamento da mais próxima cidade estuário da migração.

Por outra parte, mesmo quando há administração regular dos recursos sem zoneamento ecológico-econônico real dos municípios não existe produção, emprego e renda local sustentável: logo, é ficção a “autonomia” municipal que se baseia unicamente no fundo de participação de estados e municípios. Assim, macro zoneamento sem detalhamento a nível de execução local só serve para decorar parede de gabinetes e ilustrar workshop.

É no detalhamento local e no quadro funcional de prefeituras e câmaras de vereadores que o bicho pega. Começa aí que zoneamento ecológico-econômico implica regularização fundiária do território de acordo com o pacto federativo. Não existe desenvolvimento sustentável na bagunça e injustiça agrária.

É fácil em Brasília chegar a acordo sobre tudo isto aqui: difícil é fazer ordenamento territorial na vasta e mal conhecida Amazônia sem municípios bem equipados e preparados. Entretanto, existem regiões que podem ser selecionadas para formar consórcios intermunicipais e receber meios necessários a servir de laboratório e referência às mais regiões. Mas, quando apesar de tudo a coisa vai mal ou não se desenvolve como precisava é sinal de que a sociedade civil carece de ajuda extraordinária além do que se esperava: e, francamente, dar tratamento igual aos desiguais é uma irresponsabilidade política que o relatório Jorge Hage parece nos advertir.

A mais valia da Amazônia Marajoara

O realismo político ensina que o ótimo é inimigo do bom... E bom, neste caso, é não voltar atrás no “Plano Amazônia Sustentável” (PAS). Mudam-se ministros, cotas partidárias e governos; porém o Povo e a República não mudam.

Mal ou bem, com as falhas de sempre e falta de diálogo entre equipes ministeriais, secretarias estaduais e prefeituras inseriu-se no quadro geral do PAS o “Plano de Desenvolvimento Territorial Sustentável do Arquipélago do Marajó” (PLANO MARAJÓ) complementado e integrado pelo programa “Territórios da Cidadania – Marajó”.

Ora, se não fosse a fragilidade de representação das comunidades tradicionais ribeirinhas, não se verificaria a míngua de interesse acadêmico e apatia da mídia sobre o assunto. O Brasil e o mundo já saberiam que sob estes rótulos burocráticos se esconde uma demanda histórica no bojo de mais de 200 ações programáticas, com destaque para o “projeto Nossa Várzea” de regularização fundiária de terras da União, em favor de comunidades tradicionais ribeirinhas e a criação da reserva da biosfera do arquipélago do Marajó.

É claro que o possível reconhecimento internacional da área de proteção ambiental de que, expressamente, trata a Constituição do Estado do Pará (§ 2º,VI, art. 13) como reserva da biofera da rede mundial, do programa da UNESCO “O Homem e a Biosfera” (MaB); tiraria do isolamento e ostracismo o arquipélago do Marajó com sua população historicamente marginalizada.

A mais valia socioambiental do imenso delta-estuário do rio Amazonas, golfão da Amazônia Marajoara, onde as Amazônias azul e verde se unem inseparavelmente; desafia a imaginação criadora de economistas e políticos face à oportunidade do desenvolvimento regional sustentável em meio aos graves problemas globais da mudança climática.

A Constituição do Estado do Pará de 1989, em seu artigo 13, alínea VI, parágrago 2º, expressamente determina: “O arquipélago do Marajó é considerado área de proteção ambiental do Pará, devendo o Estado levar em consideração a vocação econômica da região, ao tomar decisões com vistas ao seu desenvolvimento e melhoria das condições de vida da gente marajoara”.

Entretanto, demorou mais de vinte anos para o Governo Estadual implementar medidas conseqüentes do dispositivo constitucional de modo a, efetivamente, implementar a APA-Marajó. Deste modo, atender à demanda popular de Muaná (08/10/2003) para reconhecimento pela UNESCO da reserva da biosfera do Arquipélago do Marajó. Ou seja, dar efetividade ao zoneamento ecológico-econômico da mesorregião em cooperação multilateral do programa MaB/UNESCO.

Não estamos falando de uma “ilha”, mas do singular bioma de encontro da corrente equatorial marítima do oceano Atlântico com a gigantesca correnteza fluvial amazônica. Da bacia formada por antigos estratos geológicos e depósitos de aluviões sobre a plataforma marítima; espaço do labirinto de terras baixas por onde o trabalho das marés e o rigoroso regime de chuvas fizeram o apogeu da biodiversidade aquática no novo trópico úmido.

Dia da Cultura Marajoara

Segundo a arqueologia, primitivas remoções de terra para manejo de estoque de peixe do mato a origem dos famosos tesos [mounds, aterros]da ilha do Marajó, dos quais o teso do Pacoval (bananal) do Arari, achado em 20 de novembro de 1756, pelo inspetor Florentino da Silveira Frade [apud Alexandre Rodrigues Ferreira, 1783], primeiro sítio arqueológico de cerâmica marajoara dentre todos mais que se tem conhecimento.


Argumento importante a favor do tombamento oficial da Cultura Marajoara no patrimônio nacional a par do reconhecimento internacional da Amazônia Marajoara, sob soberania do estado brasileiro do Dia da Cultura Marajoara. Fato que, certamente, suscitaria a consciência da sociedade sobre a biodiversidade e diversidade cultural da grande região estuarina amazônica e sua correlação com a biosfera planetária.


Amapá e Marajó, áreas do corredor das Guianas.

Com exceção da antiga costa-fronteira do Pará no litoral sudeste da ilha do Marajó entre a ponta do Maguari (Soure) e Itaguari (boca do rio Marajó-Açu, em Ponta de Pedras) polarizada por Belém; a maior parte da população ribeirinha tem origem na poeira de aldeias “nheengaíbas” (nuaruaques) oriunda das Guianas, através do Amapá.

Resulta que Marajó se apresenta como ilha excêntrica, literalmente. Posto que seu “centro” político e econômico está em Belém. Todavia, pela costa norte é Macapá que exerce atração de maneira definitiva e, através do Oiapoque, Caiena (Guiana francesa) e Paramaribo (Suriname).

O fato do bioma marajoara ser bem definido pelo arquipélago poderia inverter a pauta do MaB internacional para privilegiar a região amazônica, certamente, a mais significativa à inovação em integração e sinergia da Educação, da Ciência e da Cultura: eis que estamos nos referindo à primeira cultura complexa da Amazônia em um singular bioma marítimo e fluvial do Trópico Úmido notável pela ocorrência de manguezais e populações tradicionais que vivem, há milhares de anos, dos recursos naturais locais.

Mercado da cultura e do meio ambiente

O ano de 2011 começou com a boa notícia da homologação oficial do tombamento da cada do escritor Dalcídio Jurandir, em Cachoeira do Arari. Já a festividade de São Sebastião havia sido inscrita no patrimônio cultural imaterial, de modo que passo a passo Marajó vai encontrando o lugar que merece.


Marajó tem sido exemplo de desperdício econômico motivado por miopia política. É preciso que na virada para a segunda década do Século em vias do cumprimento das metas do Milênio (2015), esta “ilha” emblemática dê a volta por cima. E se existe um país no mundo no qual o Pará deveria se espelhar para planejar o desenvolvimento de suas regiões de potencial turístico esse país seria a Costa Rica, na América Central. Pontualmente, quais itens de uma agenda de desenvolvimento do Marajó?

• O IPEA com o IDESP dirão, expressamente, qual “vocação econômica da região” com vista a tomadas de decisão para “o seu desenvolvimento e melhoria das condições de vida da gente marajoara”.

• A RB do Arquipélago do Marajó não terá sentido, sem firme decisão de implantar conjuntamente a RB e corredor ecológico da Amazônia Central e levar adiante o corredor ecológico costeiro marítimo da Amazônia.

• Além disto, o verdadeiros desafio científico e tecnológico para geração de emprego e renda da população de modo a provar que o discurso do desenvolvimento sustentável não é uma miragem.

• De acordo com o calendário turístico e cultural do Pará, um grande Festival do Marajó, de apelo nacional e internacional, deverá ser estudado de maneira a produzir resultados socioambientais e econômicos mensuráveis.

• Os cinco sentidos marajoaras devem servir de escopo à criação do festival dos festivais dos municípios do Marajó: sabor, cheiro, visual, som e forma.

• A gastronomia, por exemplo, deve receber assistência técnica para poder oferecer degustação local da cozinha tradicional marajoara, mediante produtos naturais da fauna e da flora devidamente manejados, autorizados e certificados;

• Carne e queijo de búfala, por exemplo, poderá aproveitar o festival para promoção ao mercado nacional e externo como produto orgânico (verde).

• O ecoturismo de base na comunidade deve ser o elemento econômico principal do PLANO MARAJÓ: com isto se quer dizer que a produção das ilhas deve priorizar o consumo da população local e dos turistas, somente atendidas estas necessidades se há de pensar mercado regional e externo.

• Atualizar a leitura da determinação constitucional, significa – ainda que tardia – a libertação da brava gente marajoara depois de quatro séculos de escravidão e exploração humana.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

RESERVA DA BIOSFERA DO ARQUIPÉLAGO DO MARAJÓ

Amazônia Marajoara urgente:
Ócio como negócio sim, Agronegócio não!


A gente marajoara não vai ensinar padre nosso a vigário: mas se Suas Excelências municipais, estaduais e federais dispusessem de um minuto para prosa de pé no chão acerca da controvertida “ilha” do Marajó diríamos para não se perder mais tempo e ir diretamente ao ponto certo: a candidatura da Reserva da Biosfera do Marajó ao COBRAMAB (Brasília) e, enfim, ao MaB/UNESCO (Paris).

O problema é a mentalidade (neocolonial, subcolonial, provinciana, etc.) de nossas respectivas autoridades, salvo honrosas exceções. Sabemos que o ambicioso programa multilateral “O Homem e a Biosfera” (MaB) como todo mais sistema da ONU tem sofrido maus pedaços. Também que a promessa do Brasil em proteger todos seus grandes biomas está em falta, bem como os Pampas gaúchos tem mais munição política do que o pobre arquipélago do Marajó para chegar lá no Planalto e às margens iluminadas do Sena.

Todavia, não faltam razões de Estado para priorizar a demanda marajoara que já dura sete anos, conforme publicação da Cátedra da Unesco em Belém do Pará poderia provar facilmente. Mas, enquanto os bons gaúchos se unem a favor do bioma dos Pampas os paraenses que não são, claramente, contra fazem corpo mole...

Além do mais reina confusão nos arraiais menos alfabetizados, parecendo que ONU seja algum tipo de ONG imperialista. Na verdade, ainda que faltando implantar, o Brasil tem mais da metade do total de territórios do planeta reconhecidos pela UNESCO como reservas da biosfera, a começar pela vasta Mata Atlântica com vários estados.

O fato do bioma marajoara ser bem definido pelo arquipélago poderia inverter a pauta do MaB internacional para privilegiar a região amazônica, certamente, a mais significativa à inovação em integração e sinergia da Educação, da Ciência e da Cultura: eis que estamos nos referindo à primeira cultura complexa da Amazônia em um singular bioma marítimo e fluvial do Trópico Úmido notável pela ocorrência de manguezais e populações tradicionais que vivem, há milhares de anos, dos recursos naturais locais.

Que melhor lugar da Amazônia brasileira para a Presidenta Dilma Rousseff estabelecer parceria estratégica com a diplomata búlgara Irena Bukova, na direção geral da UNESCO?

Não acredito que o Chanceler Antônio Patriota e os Ministros Fernando Hadad, Aloíso Mercadante, Ana de Holanda e Izabella Teixeira fiquem insensíveis à idéia de trabalhar juntos com a UNESCO na foz do maior rio do mundo e transformar o atual e incipiente PLANO MARAJÓ, que se acha em curso limitadamente; num instrumento inovador de referência para o MaB mundial com destaque especial para a política socioambiental do Brasil em cooperação internacional.

O que sei, por certo, é que os estados mais poderosos tem as mais organizadas entidades da sociedade civil com poder de barganha maior do que outros menos articulados como é o caso do Pará e seu vizinho mais próximo, o Estado do Amapá. Portanto, quem não é o maior tem que ser o melhor. Se o Pará possui um trunfo como este por que perde tempo em risco de trocar o direito de primogenitude da Cultura Marajoara por um prato de lentilhas das compensações tipo a Lei Kandir, por exemplo?

Começamos 2011 com estranho sentimento de contradição. A sofrida ilha da “Criatura grande de Dalcídio”, cantada em prosa e verso, todavia entregue a destino perverso como atestam o baixo IDH, a alta taxa de analfabetismo e o retardo do desenvolvimento local às calendas gregas, vive agora um paradoxo a mais.

De uma parte, o antigo matriarcado se congratula com a posse de Dilma Roussef, a primeira Presidenta do Brasil. E escolha de Tereza Cativo (SEMA), Adenauer Góes (PARATUR), Alex Fiúza de Mello (SEDECT), Nilson Pinto (SEDUC), Hildegardo Nunes (SAGRI) dentre outros amigos do Marajó pelo Governador Simão Jatene em seu retorno ao governo estadual. Com isto, a decisão soberana do povo paraense abre nova porta à esperança de que o PLANO MARAJÓ (2007-2010) – demandando, inicialmente, pela sociedade civil com apoio dos bispos de Ponta de Pedras e Marajó (Soure) – vá em frente e mais depressa no período 2011-2014.

Por outra parte, o povo além de se preocupar com descompasso de sempre entre solução e agravamento de velhos problemas, deparou com a notícia de que Cachoeira do Arari, célebre pelo romance “Chove nos campos de Cachoeira” do premiado Dalcídio Jurandir e pelo Museu do Marajó; estaria agora em vias de ser invadida por arrozeiros recentemente defenestrados de Roraima como inimigos declarados de índios de Raposa / Serra do Sol.

Obviamente, o novo problema da gente marajoara não é o velho plantio de arroz em roças de “sequeiro”, como em Ponta de Pedras ou na várzea como já houve no município de Breves em pequena escala. Arranjo produtivo em economia solidária entre comunidades tradicionais e rede de supermercados com responsabilidade socioambiental poderia gerar empregos e renda local e colocar na mesa das cidades arroz integral e outroa produtos da agricultura orgânica.

Nós não queremos Marajó como santuário ecológico, tampouco queremos vê-lo como feudo do agronegócio predador! Sequer experimento técnico relativo à compatibilidade e fertilidade do solo em Marajó para cultivo de arroz é novidade para a EMATER e a EMBRAPA: o problema é a esquizofrenia do “modelo” de desenvolvimento imposto contra os verdadeiros interesses locais da população.

O mais grave problema do Marajó e mais regiões amazônicas é a síndrome de iluminismo tecnoburocrático. O mal do pensamento anti-econômico que teima em opor meio ambiente ao desenvolvimento sócio-econômico, matando assim a galinha dos ovos de ouro em nome de um triste imediatismo que deixa rastros na violência do latifúndio e na injustiça social do êxodo rural nas cidades a fomentar insaciavelmente novos presídios, gastos em segurança pública e postos médicos de urgência e emergência para conter a explosiva falta de convívio humano que resulta da falta de empregos e investimentos sociais urbanos.

Marajó é exemplo histórico de desperdício econômico motivado por miopia política. E se existe um país no qual o Pará deveria se espelhar para planejar o desenvolvimento das suas regiões de potencial turístico esse país seria, provavelmente, a Costa Rica, na América Central.