domingo, 7 de março de 2010

pra não dizer que não se falou do tempo e da chuva

..."nós somos de Ponta de Pedras, na ilha do Marajó /
onde se faz sucesso de carimbó."

É carimbó pra lá, é carimbó pra cá... Mas da ancestral e arruinada Cultura Marajoara de 1500 e 'tontos" anos de idade praticamente não se fala nada que, de fato, interesse diretamente ao povo. A pobrezinha gente marajoara velha de querras perdidas, cercada de "mui" amigos por todos os lados, mormente em tempo de caça ao voto popular (noves fora quando o lero rende bolsas, cursos e carreiras de elite, com honrosa exceção do incrível "museu do Gallo", na antiga freguesia de Nossa Senhora da Conceição da Cachoeira do rio Arari, datando dos idos de 1747).

Do ano de 1937 até 2010 duas publicações emblemáticas atiçam a curiosidade do leitor leigo sobre a estranha situação do patrimônio arqueológico brasileiro com relação às ruínas do tempo na ilha do Marajó. Posto que é impossível a verdadeiros pesquisadores desconhecer o assunto em tela, a gente ilhada dos sítios não alcança a letra dos livros e muito menos letras de câmbio do comércio de produtos com matéria prima extraída da Amazônia. A gente não sabe de livro nenhum, sobretudo porque mais da metade da população é analfabera de pai e mãe...

Vai daí que o finado padre Giovanni Gallo (ver www.museudomarajo.com.br ), da ilhada paróquia de vaqueiros e pescadores da Santa Cruz do lago Arari; inventou a estúrdia leitura de um museu ecológico e popular com a "ponta dos dedos" em "computadores" artesanais de pau e corda... Imagine!

A cega elite de Belém do grão Pará e outras capitais do Brasil gigante (com exceções de praxe) nem assim abriu os olhos às acuradas investigação de arqueólogos estrangeiros desde a exposição etnológica de Chicago (EUA), fins do século XIX, sobre a origem do homem americano. Quando se teve notícia das primeiras extrações de cerâmica marajoara para fins cientìficos, levadas do teso do Pacoval; o mais saqueado de todos. A criativa escrita "braile" do vigário de Santa Cruz do Arari para fazer educação patrimonial do povo não serviu, entretanto, aos acadêmicos para compreender o elo perdido entre "índios" e "caboclos" inventados pelos coloniais na injusta divisão do trabalho no Trópico Úmido do planeta Água. Nunca os doutores entenderam o recado do tempo arqueológico que o jesuíta traduziu, com simplicidade e dedicação, numa vida inteira até enterrar os próprios ossos no teso à ilharga do museu. Tal qual os marajoaras antigos ficavam enterrados ao fim da vida junto à aldeia em riba dos tesos (sítios com necrópole sobre aterros artificiais). Coisa extraordinária! Apenas os búfalos da maior ilha fluviomarinha do mundo e a sonâmbula sociedade nacional encantada com o primeiro mundo podem alegar que não sabiam nada destes acontecimentos do extremo-norte brasileiro.

Claro, em apenas 8 anos da era Lula lá nas cabeceiras do Planalto não se poderia mesmo zerar o passivo de mais de 80 anos, pelo menos, de neocolonialismo bandeirante na vasta Planície amazônica. Todavia, agora que nós entramos na reta final do segundo mandato popular da República federativa dos trabalhadores do país do pau-brasil é preciso marcar o terreno conquistado e balizar o rumo de futura jornada sem deixar perder a reconquista do passado. Para que não haja retrocesso da abolição do antigo apartheid, em nenhuma hipótese. Quem anda pra trás é caranguejo... Por isto, nossos antepassados indígenas quando queriam barrar a invasão do território deixavam no caminho caranguejos flechados como forma de dizer ao forasteiro: não prossiga na invasão de nossa terra sagrada...

Do mesmo modo, os cabocos agora devemos assinalar o chão da história de nossos dias para informar a eventuais conquistadores do alheio que devem respeitar os limites do espaço da cultura ancestral e estancar a destruição do tempo arqueológico, imediatamente!

A primeira obra informativa de caráter nacional sobre a destruição acelerada da antiga cultura marajoara é de autoria de Heloísa Alberto Torres, diretora do Museu Nacional (Rio de Janeiro) [in revista do SPHAN de 1937] e a mais recente é a "Cultura Marajoara" (ed. Senac-SP, 2010) da arqueóloga brasileira, nascida no Rio Grande do Sul, Denise Pahl Schaan. Ambas autoras nos falam da extraordinária importância deste patrimônio da humanidade debaixo da responsabilidade soberna do Brasil e do drama da sua preservação e democratização cultural.

Entretanto, já no final do século XIX o Barão de Marajó havia dado sua penada de protesto aos saques dos tesos para levar cerâmicas em contrabando. A primeira "Notícia da Ilha Grande de Joannes", de autor anônimo da metade do século XVIII, fala do sítio do Pacoval do rio Arari. E o naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira, na "Notícia Histórica da Ilha Grande de Joanes, ou Marajó" (1783) informa que o dito teso do Pacoval foi descoberto pelo inspetor da ilha, capitão Florentino da Silveira Frade, em 20 de novembro de 1756... Por acaso 20 de novembro viria ser depois data da Consciência Negra e aqui estamos nós a falar da leseira amazônica, da ilha onde Vicente Pinzon (em 1500, cerca de dois meses antes de Cabral chegar a Porto Seguro) atacou aldeia do Marajó e escravizou 36 índios, os primeiros "negros da terra" -- escravos indígenas -- da América do Sul, digo do Sol...

O diabo é que os "brancos" não sabem ler escrita de índios, pretos velhos e cabocos. Reciprocamente estes últimos nunca chegaram a compreender direito língua de branco... Então, as coisas chegaram a este ponto, inclusive a tal Mudança climática... que Deus nos livre a todos!

Por diretas contas o relato de dona Heloisa somado ao da gaúcha-marajoara Denise Schaan é parte substancial da crônica de um desastre emblemático, uma formidável destruição natural do tempo e covardia moral misturada à ignorância dos homens de nossa época dentro e fora do País. Para a brava gente marajoara, expressamente nominada na Constituição do Estado do Pará de 1989, no art. 13, VI, parágrafo 2º; foram 73 anos anos de soluços e silêncio entre chuvas e esquecimento.

Por estranha coincidência, a idade do caboco escrivinhador. Destes tantos outubros de solidão tenho dedicado esforço a romper o silêncio a golpes de pajé pra chatear a consciência dos outros sobre o tema ingrato, pelo menos, nos últimos 15 anos, desde o derradeiro "Encontro em Defesa do Marajó" realizado entre os dias 28 e 30 de abril de 1995, em Belém e Ponta de Pedras, organizado pelo GDM. Confesso que estou fatigado, mas desanimado nunca.

O certo é que sem sociedade civil organizada e vontade política dos nobres representantes do povo, a brava gente não pode querer! Não pode pois não lhe deixam margem à verdadeira expressão desde a extinção da babel do rio das amazonas, que deu no famigerado Diretório dos Índios (1757).

Ao fazer balanço de perdas e ganhos em 21 anos (idade da maioridade) da Constituição-Cidadã, a gente ribeirinha (órfa de Dalcídio Jurandir e Giovanni Gallo como já estava, e por último desfalcada do camarada Neuton Miranda recentemente falecido em plena lida) chegamos a compreender que muitas malfeitorias ficaram para trás. Mas seria triste dormir sobre os pingues louros da vitória depois que a "esperança venceu o medo". A pletora de audiências públicas e as sabidas demandas de lideranças populares face ao invencível iluminismo das chamadas "classes dirigentes" revela que o escambo de miçangas por mão de obra vulgar e matéria-prima continua de vento em popa como, paresque, há 300 e tontos anos... O que a gente tem de saber é do direito de primogenitude da Cultura Marajoara,como arte primeva amazônica; que não deve ser trocada por um prato de lentilhas...

O sentido de uma demanda símbólica fundamental como o tombamento da Cultura Marajoara pré-colombiana, sim, isto será a mais valia do desenvolvimento humano na Amazônia, periferia da Periferia; antes que prospere entre nós, irremediavelmente, a tese burlesca de que o Búfalo é o simbolo da nossa cultura marajoara! O que se está abordando é da âncora da Amazônia sustentável.

Há que se lutar ainda, mais uma vez, com as armas que houver à mão: ontem, para evitar a invasão e perdimento total das ilhas, usamos zarabatana e setas envenadas de curare (vem daí talvez o apelido posto pelo inimigo valente, o tremendão Tupinambá treme terra; de "marãyu / marajó", gente malvada... (nada a ver com "barreira do mar", acredito). Depois de infinita vexação aos brios deste povo, com facão e espingarda às mãos deu-se a terrível Cabanagem (1835-1840, mais ou menos, com 40% da população amazônica, de 100 mil almas, mortas na guerra-civil que o Brasil esqueceu...). Hoje na Democracia brasileira a participação popular é nosso escudo...

Que esta nossa gente diria, enfim, se tivesse voz e vez de fato? Talvez, que tendo ela "saído do mato" e sobrevivido no dito mato sem cachorro há de querer as poderosas armas da Educação, Ciência e Cultura tecnológica... Que todas aquelas grandes cidades, do Brasil e do mundo, com seus luzidos museus aonde a cerâmica marajoara foi parar (não importa como) façam-nos a gentileza de passar "recibo" sob forma de compensação ou intercâmbio visando à melhoria do IDH das mais de 500 comunidades locais espalhadas entre ilhas e a terra-firme nos 16 municípios do arquipélago e mesorregião.

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