terça-feira, 10 de agosto de 2010

Petição 2010 [3]

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3 - Amazônia sustentada pela criaturada grande


A Convenção sobre a Diversidade Biológica, assinada em 1992 por 150 países ensina que “A preservação e o uso duráveis da diversidade biológica reforçarão as relações amigáveis entre os Estados e contribuirão com a paz da humanidade”... Todavia, a comunidade internacional logo se deu conta de que se existem problemas com a natureza eles são causado por seres humanos e somente estes mesmos serão capazes de sanar os problemas. Ademais a preservação da diversidade cultural se acha intimamente ligada com a conservação da natureza.

Em 2005, a Convenção sobre a Diversidade Cultural, 2005, foi assinada por 148 países com atuação destacado do Brasil. Esta convenção proclama “O respeito à diversidade das culturas, à tolerância, ao diálogo e à cooperação, em um clima de confiança e entendimento mútuos, está entre as melhores garantias da paz e da segurança internacionais”. Não precisa dizer o quanto a Amazônia é lembrada nestes instrumentos de direito internacional, nem quanto o Estado do Pará pesa em tal situação. Entretanto, quando se trata de analisar o espaço interno das regiões amazônicas, a célebre “ilha” do Marajó esconde um território maior de que Portugal, que todavia mal dá conta de cuidar de uma população de menos de meio milhão de habitantes.

Fica claro que a diversidade biológica depende de atividades humanas e que estas se acham ligadas à diversidade cultural integrante dos direitos humanos. Além disto as duas diversidades são vulneráveis à extinção pela devastação causado por homens que enfim deviam ser garantes correspondentes direitos do nosso grande País tropical.

Na história econômica da Amazônia a maioria dos autores esquece os antecedentes da “belle époque”, dois séculos de drogas do sertão (especiarias e cacau), o café trazido da Guiana francesa plantado e colhido no Pará, açúcar mascavo e aguardente com negros escravos e roças de cana, a chamada madeira de lei da Amazônia para a Europa. E não podemos esquecer o trabalho indígena escravo na pesca de “gados do rio” antes que as rocinhas das várzeas do Guamá e campos do Marajó criassem gado vacum e equino cabo-verdiano.

Na falta de sal, o peixe defumado além de alimento da colônia foi moeda corrente: arrobas de peixe pagaram a tropa, o funcionalismo e o clero. Na base da pirâmide a sustentar a colônia o trabalho escravo do índio e depois do negro. Até hoje a economia regional para exportar suas riquezas e sustentar as cidades carece imensamente de trabalho servil ou semi-escravo das populações ribeirinhas condenadas a um extrativismo marginal, à pesca artesanal, à roça de coivara donde sai a tapioca e o tucupi para enfeitar as mesas do Círio e outros acontecimentos culturais.

A academia, no Brasil e no mundo, fala como se a Amazônia fosse 100% florestal e dela dependesse totalmente a vida de 25 milhões de amazônidas. Enfim, se resolvido fosse a conservação da Floresta Amazônica tudo mais estivesse acertado. Na verdade, a história não é bem assim. Visto de perto há várias e diversas regiões amazônicas: todas elas vivem de recursos naturais, mas nem todas da indústria madereira, ela mesma um negócio como qualquer outro precisando de regulação e racionalidade.

Aí entra a Amazônia-Marajó, que tem centenas de ilhas e microrregião continental maior que alguns países estrangeiros ou estados brasileiros; tem aí floresta densa e matas de várzea, igapós, pantanal; campos-gerais, cerrado, manguezais e muitos quilômetros de praias; tem o mais importante zoneamento arqueológico do Brasil: para alguns pesquisadores a cultura mais interessante das terras baixas das Américas...

Por incrível que pareça, quem menos sabe deste tesouro é a gente marajoara, depois da esmagadora maioria do povo brasileiro. Ora, Marajó não tem que pedir de esmola de ninguém! Pelo contrário, Marajó tem sido vaca sagrada que não esgota sua fortuna, infelizmente, apenas para uns poucos. Por exemplo, 12 grandes instituições culturais no Brasil e no exterior detém coleções de cerâmica marajoara que poderiam dar motivo para intercâmbio internacional patrocinado pela a Unesco, de modo que o povo marajoara fosse o principal contemplado.

Começam a falar que museus estrangeiros, pressionados pela ONU, logo mais vão repatriar coleções do patrimônio nacional levados ao exterior em condições suspeitas de “pirataria”... O medo da gente é que cerâmicas marajoaras repatriadas ficassem pelas capitais, da mesma maneira; longe das comunidades tradicionais marajoaras. Neste caso, melhor ficar lá aonde foram parar, contanto que com ajuda da própria UNESCO o Museu do Marajó fosse incorporado pelo IBRAM não só para receber o repatriamento desse patrimônio exilado, mas também a estabelecer intercâmbio digno de enaltecer a imagem do Brasil moderno e democrático.

Para o pescador despossuído do lago Arari não importa, por exemplo, se para dourar o orgulho nacional forem repatriadas coleções de cerâmica levadas do teso do Pacoval, dos sítios do rio dos Camotins e outros lugares saqueados para Chicago, Rio de Janeiro, Nova Iorque, Londres, Paris ou Estocolmo; de que se fala desde a primeira notícia de autor anônimo (provavelmente o fundador da Vila da Cochoeira, Florentino da Silveira Frade), na metade do século XVIII, dizendo ele que no dia 20 de novembro de 1756 descobriu o sítio arqueológico do Pacoval do rio Arari, com grande curiosidade.
Na contramão desta enorme sangria, por necessidade e acaso, um padre digno de romance de Pirandelo; inventou o mais extraordinário museu do mundo clamando por um plano de “desenvolvimento cultural” para a gente marajoara se recuperar da decadência... O escritor Dalcídio Jurandir, longe da ilha natal, ao saber da odisseia de Giovanni Gallo saiu a campo dizendo que o italiano estava a mexer com velhas feridas que ainda sangravam...

Os grandes intelectuais e os poderosos políticos sempre prontos a lutar pelo desenvolvimento sustentável da Amazônia, ainda não descobriram que o Museu do Marajó é um pilar fundamental do esforço de promover a mais valia da Cultura Marajoara em benefício das populações tradicionais – a “Criaturada grande de Dalcídio” – emprestando competitividade de mercado e sobrevida à variedade cultural desta gente amazônica.

Quando o Brasil irá descobrir que o Marajó não é só um bolsão de pobreza, mas ao contrário um tesouro que precisa ser recuperado e burilado? Ninguém está pedindo nenhum favor. A gente quer fazer valer direitos ancestrais! Promover a economia da renascença neotropical. Restituir à diversidade biocultural ou ecocultural um sentido econômico. Temos que colocar em prática uma cultura inclusiva, em amplo sentido; de modo que sejam pagos às populações tradicionais compensações por serviços ambientais: a Unesco em relatório produzido em 2002 sobre a integração de diversidade cultural e desenvolvimento sustentável, afirma que regiões caracterizadas fortemente por populações tradicionais (caso do Marajó) “guardam a chave para se assegurar resiliência tanto nos sistemas sociais quanto nos sistemas ecológicos”.

Ninguém conhece mais Marajó do que os cabocos das ilhas e campos alagados: todavia (socraticamente falando) eles não sabem que sabem... Daí a necessidade de “pescadores” da cultura popular como Dalcídio Jurandir, Giovanni Gallo, etc., capazes de tirar do fundo da alma da Criatura e dos arcanos da natureza os grandes signos, verdades ocultas do universo das águas e terras de maré. Daí a tendência do citado relatório da Unesco de que lugares ricos em biodiversidade são também notáveis por maior diversidade cultural.

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