quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

MEIO AMBIENTE É PAPO FIRME

POR QUE MARAJÓ É UMA CHANCE? É A ECONOMIA, MANO!

O Haiti brasílico é aqui e a África americana chegou primeiro nas Antilhas onde se iniciou a libertação de escravos na marra, com a brava revolução haitiana de 1791, vésperas da revolução industrial na Inglaterra. Crise colonial no longo século XIX, crise neoliberal no breve século XX, agora efeito estufa e Mudança Climática como sinal de fim de um mundo insustentável... Todavia, bom passo para solução da crise financeira, comercial e industrial das relações Norte-Sul, no momento, pode estar sendo costurado no extremo sul com as duas presidentas do Mercosul, Cristina da Argentina e Dilma do Brasil.

E nós com isto e aquilo? O Caricom (mercado comum do Caribe) poderá ser uma ponte especial entre América do Sul, África e Europa e terá em breve, na fronteira do Amapá com as Guianas, mais que um símbolo de ligação a inauguração da ponte de concreto sobre o Oiapoque. É bom saber o que fazer com ela depois de séculos de conflitos de fronteira, Contestado do Amapá, contrabando e ultraperiferização geopolítica.

QUATRO SÉCULOS DE INVENÇÃO DA AMAZÔNIA

Belém acaba de fazer 395 anos e deu um belo show popular comemorativo. Quem não gostaria de festejar acima de quaisquer inconveniências? Mas a gente não quer só pão e circo... As vésperas dos 400 anos de invenção da Amazônia colonial portuguesa (conquista de São Luís do Maranhão e fundação de Belém do Grão Pará, em 1615/16, sob pavilhão da União Ibérica) – por coincidência, fim de prazo das Metas do Milênio da ONU em 2015 –, o pacto federativo tem oportunidade de firmar marco histórico no estuário da maior bacia fluvial da Terra e significar firme determinação em estabelecer um novo paradigma econômico socialmente justo e ecologicamente sustentável, específico ao bioma fluviomarinho amazônico, integrado inclusive ao litoral do Amapá e Guianas conforme indica a ancestralidade geocultural da região. Que ninguém se engane é de história de fundo econômico que se está falando! A começar do escambo de “gados do rio” (peixe-boi, tartarugas e pirarucu) em troca de miçangas (facas, machados, espelho, contas de vidro, etc.) e de peixe defumado com valor de moeda corrente até o telefone celular e comércio eletrônico dos dias de hoje.

RENASCENÇA DA ECOCIVILIZAÇÃO AMAZÔNICA

Berço da ecocivilização amazônica de 1500 anos de idade, a ilha do Marajó ainda apresenta – apesar de tudo – , fragmentos do que foi no passado pré-colonial a singular Cultura Marajoara com vestígios da arte primeva do Brasil esquecida em acervos de grandes museus nacionais e estrangeiros em contraste com o analfabetismo e pobreza da gente marajoara. Na região central, a mais isolada da ilha, é comum aos viajantes ver urnas cerâmicas milenares servindo de depósito para água da chuva em casas modestas onde a alegria e inocência das crianças são o único motivo de esperança de dias melhores que hão de vir.

A resistência da brava gente marajoara face a inconsciência nacional é notável a quem quer que se dê à curiosidade! Ela é tributária da luta pela posse das ilhas do Pará e Amazonas desde tempos muito antigos entre povos Aruak e Tupi. Passa pela conquista e colonização do famoso “rio das amazonas” disputado por Hereges (holandeses e britânicos) e Católicos (hispânicos e portugueses) em meio a ambiguidades francesas, desde a contestação do “testamento de Adão” por Francisco I da França (tratado de Tordesilhas, homologado pelo papa Alexandre VI, dividindo o mundo descoberto ente Espanha e Portugal) até nossos dias.

Povos “primitivos” [índios e negros] estavam naturalmente excluídos da Civilização. Declarados “bárbaros” sob fundamento do pensamento imperial greco-romano subjacente à célebre polêmica entre o jurisconsulto Ginés Sepulveda e o teólogo Bartolomeu de Las Casas, convocados pelo imperador hispano germânico Carlos V para dirimir a grave questão moral da Conquista: “índio é ser humano”?

Como se sabe, a doutrina humanista de Las Casas foi derrotada na corte dos Reis Católicos... Os bárbaros do Novo Mundo conquistados e dizimados para ser escravos dos bons civilizados cristãos teriam, então, que lutar por diversas gerações e de várias maneiras para vir a ser gente de parte inteira no século XX, com a revolução russa de 1917, a vitória dos Aliados na II Guerra Mundial, os Direitos Humanos Universais (1946) e a proteção do Meio Ambiente a partir da década de 1970.

Isto que explica principalmente a história geral da “marronagem” (movimento de fuga e resistência à escravatura mediante formação de quilombos no interior da Colonia). Cujo ápice foi, sem dúvida, a revolução de libertação dos escravos do Haiti iniciada em 1791 pelo ex-escravo Toussaint l'Ouverture; largo movimento que teve influência em todas ilhas do Caribe e chegou a Amazônia, inclusive Pará; com a Cabanagem (1835/40), “contágio” republicano através da ocupação anglo-portuguesa da Guiana francesa em represália à invasão de Portugal por Napoleão (1809-1817).

A guerra de expulsão dos Hereges (1623-1647) deixou graves sequelas do conflito colonial entre populações de Belém, Marajó e Amapá. A Ilha Grande dos Nheengaíbas [Marajó] depois de três incursões bélicas de portugueses e aliados tupinambás repelidas pelos indígenas marajoaras, somente foi pacificada em 1659 pelos jesuítas comandados pelo Padre Antônio Vieira, cognominado “payaçu” (padre grande) pelos índios.

Com a pacificação dos Nheengaíbas, um novo conflito pelo controle das ilhas e índios escravos foi estabelecido entre colonos e missionários, resolvido em 1661 pela dura expulsão dos jesuítas do Pará e piorada pela prisão, processo e condenação de Vieira pelo Santo Ofício, réu de “heresia judaizante” como professor de um império mundial cristão em paz com a religião de Israel e de Maomé. A utopia sebastianista do Quinto Império esposada por Vieira (carta de Cametá, de 19/04/1659) está clara na motivação da carta de Belém à regente de Portugal dona Luísa de Gusmão, em novembro do mesmo ano, dando notícia da Missão do Pará e em especial das pazes do rio Mapuá (hoje a Resex Mapuá, município de Breves aonde o Presidente Lula foi entregar a uma mulher marajoara do Alto Anajás o primeiro título de autorização de uso de terra da União pelas populações tradicionais ribeirinhas). Pena que a burocracia não conhece a história do povo marajoara, pois assim o Brasil saberia que, precisamente, as etnias Aruã e Anajás – as mais belicosas da confederação dos “nheengaíbas” – foram marcadas para sofre a “guerra justa” (extinção ou cativeiro) evitada, felizmente, pela missão pacificadora do dito Payaçu.

Desgraçadamente, frustradas aquelas pazes entre brancos e índios com a falsidade da Real promessa (baseada na lei de abolição do cativeiro dos índios, de 1655; arranjada pelo Padre Antônio Vieira junto ao rei Dom João IV) de reconhecimento do território e liberdade dos sete cacicados dos Mapuá, Anajá, Aruã, Pixi-Pixi, Camboca, Mamaianá e Guaianá; em 1665 o novo rei Afonso VI (mais tarde deposto por seu irmão Pedro I de Portugal, por incapacidade mental) fez doação da ilha dos Nheengaíbas a seu secretário de estado dom Antônio de Macedo de Sousa como capitania hereditária, dali avante Ilha Grande de Joanes (1665-1757) ou Marajó até agora depois da incorporação à coroa de Portugal (1757) e adesão de Muaná ao império do Brasil, em 28 de maio de 1823.

O donatário da Ilha Grande de Joanes ou Marajó nunca pôs os pés no Pará, mesmo assim de Lisboa ele nomeou capitão-mor, servidores e concedeu sesmarias que não puderam se instalar se não mais tarde. Depois que o carpinteiro Francisco Rodrigues Pereira, em 1680, meteu a peito atravessar de Belém para a Ilha com umas cabeças de gado bovino e cavalos a bordo importados de Cabo Verde para levantar curral à margem do rio Arari; fazendo face ao perigo dos índios bravios, desertores e escravos refugiados que viviam nos centros da ilha. Quer dizer, desde a construção do Forte do Presépio (1616) os colonizadores do Pará tiveram que esperar 64 anos para colocar os pés na margem esquerda da baía do Marajó, dita justamente “Costa-Fronteira do Pará”, mantida defesa aos conquistadores.

Aquela costa brava foi sendo possuída sob a pata de bois, cavalos e mais tarde de búfalos que hoje são como um milhão de cabeças. Mais que o dobro do número de habitantes em toda a mesorregião. Na verdade a verdadeira paz social ainda está por fazer e o “Plano de Desenvolvimento Territorial Sustentável do Arquipélago do Marajó” (PLANO MARAJÓ) ainda poderá ser a reconstrução daquelas frustradas pazes do século XVII, arquitetadas com engenho e arte pelo Payaçu dos índios.

UM PRESENTE DE ANIVERSÁRIO PARA BELÉM DA AMAZÔNIA

Que melhor presente ao 4º centenário de Belém do Pará (2016) do que o reconhecimento formal de sua paisagem cultural no patrimônio da UNESCO? Esta conquista pode vir associada à construção de grande aquário amazônico na velha Cidade, sua admissão na rede mundial de metrópoles integrando a área metropolitana à futura reserva da biosfera do Marajó e ao corredor da biodiversidade do Amapá.

Muita loucura? Loucura desconforme é trocar direito de primogenitura da Amazônia brasileira por um prato de lentilhas do “modelo” exportador de matéria-prima e trabalho barato para não dizer semiescravo. A mais valia do desenvolvimento socioambiental sustentável a troco de mais uma década de devastação, seguida de colapso ambiental e depressão econômica. Muito mais grave do que foi a crise da Borracha, na década de 1930/40.

Note-se que a maior concentração demográfica da Amazônia se acha às margens dos grandes rios, no estuário e na costa marítima. Hoje a população total está em torno de 25 milhões de habitantes enquanto naquele tempo não havia desmatamento nem mudança climática por efeito estufa. A emissão potencial de carbono pela queima de petróleo extraído do pré-sal, por exemplo, poderá vir a ser grandemente mitigada por políticas compensatórias ligadas à preservação florestal e reflorestamento na Amazônia. O turismo e a indústria cultural no setor de serviços também poderão ter papel relevante para criação de empregos e renda a par da produção de alimentos e agregação de valor à cadeia produtiva minerária e madeireira.

Aos menos avisados, por incrível que pareça, o elo de um tal engenho marajoara poderia, por acaso, achar-se na articulação de Brasília com a distante Sofia (Bulgária): país da União Europeia pouco maior que a mesorregião do Marajó; sito às margens do Mar Negro e fronteira da Turquia, região donde Orellana e Carvajal importaram a lenda das mulheres “amazonas” para batizar a velha terra dos tapuias...

Extraordinária coincidência o fato da Presidenta do Brasil ser descendente búlgara e a diretora-geral da Unesco cidadã do dito país da Europa central. Quem sabe Irena Bucova, por causa da verde Amazônia, encontrará em Dilma Rousseff uma aliada de primeira linha a fim do requentado MaB ganhar vigor e vir alavancar a UNESCO na virada da segunda década do século XXI? É preciso acreditar no poder miraculoso das regiões ultraperiféricas na invenção do Futuro! Foi dito no passado que Belém do Pará não seria menor que outras “casas do pão” (Bethlehem) e a revolucionária literatura brasileira fez Cristo nascer na Bahia ou em Belém do Pará. Mas, Coudreau vaticinou o avenir de Belém do Para: “rainha das águas quentes” da América tropical. Eidorfe Moreira nos mostrou a expressão geográfica da cidade fundada pela união de armas ibéricas e tupinambás.

Somados o mosaico de áreas protegidas do Pará na região marajoara ao corredor da biodiversidade do Amapá, o Brasil tem neste bioma espaço de conservação ambiental equivalente a duas vezes o tamanho de Portugal, por exemplo. Um desafio à inovação em C&T aplicada à erradicação da Pobreza e ao uso sustentável dos recursos naturais e culturais. Nunca é demais repetir que o ecossistema da ilha do Marajó pariu a primeira cultura complexa da Amazônia, arte primeva do Brasil.
A ecologia já disse o que tinha a dizer. A hora é dos economistas provar a possibilidade do meio ambiente gerar riquezas duradouras e os políticos dar um basta à devastação. Em primeiro lugar, sem mais demoras, carece ultimar a candidatura da Reserva da Biosfera Amazônia Marajó à UNESCO. Para isto, seria de bom alvitre a Associação de Municípios do Arquipélago do Marajó (AMAM), em concurso com a FAMEP e CNM Internacional, solicitar à Secretaria de Estado de Meio Ambiente (SEMA-PA) e à Cátedra da UNESCO no NAEA/UFPA parceria para oficializar o projeto junto à Comissão Brasileira do Programa Homem e Biosfera (COBRAMAB).

O Brasil aderiu ao Programa Homem e Biosfera (MaB) da UNESCO criando a COBRAMAB através do Decreto 74.685 de 14 de Outubro de 1974, coordenada pelo Ministério de Relações Exteriores. Em 21 de Setembro de 1999, redefiniu a composição, estrutura e coordenação da COBRAMAB que passou a vincular-se ao Ministério da Meio Ambiente. À Comissão cabe planejar, coordenar e supervisionar no País as atividades relacionadas ao Programa “O Homem e a Biosfera”, promovido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO. Entre as finalidades está a criação e apoio à implantação das Reservas da Biosfera no Brasil, bem como da Rede Brasileira de Reservas da Biosfera.

PERDE-SE A BATALHA DO DESMATAMENTO, MAS PODE-SE GANHAR A GUERRA DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

Estigmatizado como um dos estados brasileiros que mais desmatam a Floresta Amazônica, o Pará entretanto dispõe de instrumentos não só para conservar o meio ambiente, mas sobretudo para fazer com que suas áreas protegidas e unidades de conservação tornem-se polos econômicos indutores de desenvolvimento sustentável. Com vontade política firme e pesquisa intensiva, o Pará poderá assumir a vanguarda na luta contra a pobreza das comunidades locais e inovação tecnológica para estabelecimento de novo paradigma de uso sustentável de recursos naturais e culturais tradicionais.

É claro que o governo federal ou o estado não podem fazer milagre. Para tanto, é necessária a união dos municípios e engajamento da sociedade como também a cooperação internacional que pode prestar significativa colaboração, afinal vantajosa para todo mundo. Órgãos públicos tais como o IPEA e IDESP deveriam oferecer à sociedade um quadro econômico do que o conjunto das unidades de conservação atuantes já produzem atualmente e do potencial que elas poderiam assegurar com investimentos adequados.

DESCER DAS NUVENS PARA TOMAR PÉ DA REALIDADE,
MAS JAMAIS RENUNCIAR AO SONHO.

Existe uma economia real não-monetária que deve ser considerada se quisermos abordar o chão da realidade amazônica. Além do desmatamento há devastação de usos e costumes, pirataria de conhecimentos tradicionais que implicam numa enorme evasão de riquezas imponderáveis e alienação de recursos não renováveis. Nós temos sentimento da histórica reivindicação da herança dos engenheiros dos tesos (sítios arqueológicos) da ilha do Marajó e arquitetos da Cultura Marajoara de 1500 anos de idade. Pois era isto que aqueles primitivos inventores foram, engenheiros de aldeias suspensas sobre campos alagados e arquitetos de um modo de vida que hoje ainda resiste à invasão cultural da região.

Não é aceitável o fato da engenharia moderna não acertar com o saneamento urbano no trópico úmido e a arquitetura insistir com a construção de imóveis inaptos para o clima da região e os hábitos da população; quando a conquista do espaço extraterrestre prova a capacidade inventiva de homens e mulheres para encontrar soluções técnicas aos mais encrencados problemas que se apresenta. O nome desta grave leniência de que são vítimas populações tradicionais, em nome da Modernidade, é colonialismo científico e tecnológico. Praticado, às vezes, por naturais da região diplomados em universidades locais por mestres e doutores envergonhados de usos e costumes de seus avós. Todavia, a história dialética advertiu desde Marx e Engels que o homem pode compreender as leis da natureza, eventualmente usá-las em proveito próprio, porém nunca poderá modificá-las. Assim, a biodiversidade é a regra “universal” e a diversidade cultural as várias tentativas humanas de habitar o tempo próprio de cada espaço. O diálogo centro-periferia implica mão e contramão.

POR QUE ÍNDIOS, QUILOMBOLAS E CABOCOS SÃO CORAÇÃO PULSANTE DAS REGIÕES AMAZÔNICAS?

Por que as populações tradicionais são guardiãs do “paraíso” prometido aos “Eleitos”... Hoje já podemos afirmar que o maior obstáculo ao desenvolvimento regional sustentável é de ordem política: oriundo do embate entre distintas classes altas urbanas de diferentes nações, mal acostumadas a viver às expensas do suor alheio para extração de recursos da natureza e da ignorância histórica da pequena burguesia: embora sejam determinados municípios palco dos piores acontecimentos retratados na mídia em matéria de degradação socioambiental; a verdade demonstra que mais de 57% da superfície do Estado do Pará está, legalmente, sob estrita proteção institucional. Logo, se este espaço tivesse destino econômico a par da função protecionista que tem, como manda o figurino ambientalista e dos direitos humanos; o Pará seria uma grande potência de primeiro mundo... A realidade é bem diferente, como se sabe.

Todavia, fica claro que a camada social mais privilegiada da sociedade regional vê com maus olhos a criação de reservas sejam elas de que categoria forem, pois sem conhecer mais do que o cabeçalho da notícia classificam logo através de porta-vozes como “engessamento” do desenvolvimento. Um estrangeiro terá dificuldade em dominar a língua particular da imprensa do país tendo o noticiário como material “didático”. A linguagem política, entretanto, é mais velada ainda do que a do oráculo da Sibila de Delfos... Dizendo tudo esconde a ponta da meada.

Talvez, doravante, uma fiscalização mais eficiente das unidades de conservação e áreas de proteção possa ser feita em parceria estratégica com o INPE e SIPAM, todavia serão sempre as próprias comunidades locais amparadas por força-tarefa de campo, com exemplo do Projeto Nossa Várzea [PLANO MARAJÓ / programa Territórios da Cidadanis]; que poderiam fazer a diferença mediante apoio interministerial reunindo MDS, MCT, MME, MS, MINC e outras pastas com amplo atendimento do Plano Nacional de Banda Larga (PNBL): é preciso encurtar o percurso entre programação federativa e execução local.

Sobretudo, as respectivas ouvidorias deveriam ser mais ágeis e efetivas para animar a democracia participativa em todos rincões da “fátria” (sic) amada Brasil. A FUNAI identifica 64 Terras Indígenas no Estado do Pará, das quais 45 como áreas identificadas, demarcadas, homologadas ou registradas no total de 30.902.743 ha (24,80%) do território paraense. E 19 sem áreas definidas. Essas Terras Indígenas somadas às Unidades de Conservação (40.866.360 ha - 32,75%) perfazem 71.769.103 ha, correspondendo a mais da metade do território paraense.

Dizem os críticos desta política que é muita terra para poucos índios. Pensando o desenvolvimento da maneira colonialista costumeira parece que os contrários tem razão: porém o público em geral não percebe que, de direito e de fato, tudo isto é território da União. Ou seja, de todos brasileiros no Estado democrático de direito. Dentro da autonomia do município e do estado, a Terra Indígena, o Quilombo ou unidade de conservação federal; não deve ser interpretada como enclave ou feudo impermeável à comunidade envolvente. Pelo contrário, a presença da União dentro do território estadual e/ou municipal deve ser um elo mais forte do sistema federativo. Oportunidade para parceria mais intensa entre o município, o estado e a União. Quando isto não acontece é preciso diagnosticar a causa da disfunção.

NATUREZA SEM FRONTEIRAS E GEOGRAFIA DE COOPERAÇÃO.

O Corredor da Biodiversidade do Amapá compreende mais de 10 milhões de hectares, espaço geográfico maior que Portugal, protege vários ecossistemas – mangues, cerrados, florestas tropicais, florestas de altitude e terras alagadas –, está localizado entre o escudo das Guianas e o estuário do rio Amazonas.
O corredor é composto por um conjunto de áreas protegidas, que representam 54,8% da extensão do Estado do Amapá. São 12 unidades de conservação contando dois Parques Nacionais, uma Reserva de Desenvolvimento Sustentável, três Estações Ecológicas, três Reservas Biológicas, uma Reserva Extrativista, uma Área de Proteção Ambiental, uma Floresta Nacional, além de quatro Terras Indígenas (Juminá, Galibi, Uaça, Waiapi) que reúnem 4.500 indígenas, aproximadamente. Estas unidades serão conectadas por novas áreas formando mosaico de uso sustentável como sistemas agroflorestais ou de ecoturismo.

Uma vez que a UNESCO reconheça a Área de Proteção Ambiental do Arquipélago do Marajó (APA-Marajó, cf. Art. 13, VI, §2º da Constituição do Estado do Pará) como Reserva da Biosfera Amazônia Marajó; naturalmente os dois estados brasileiros vizinhos no estuário do Amazonas poderão celebrar convênio de cooperação interestadual mediante parceria com o Governo Federal. Deste modo, estarão dadas as bases para corredor ecológico costeiro da Amazônia azul.

A APA-Marajó foi determinada pela promulgação da Constituição do Pará em 05/10/1989, ela tem por finalidade elaborar e executar o zoneamento ecológico-econômico estadual na mesorregião, visando a conservação da biodiversidade, o desenvolvimento e melhoria da qualidade de vida da população marajoara. Preservar espécies ameaçadas de extinção e de amostras representativas dos ecossistemas implementando projetos de pesquisa científica, educação ambiental e fomentando atividades de ecoturismo.

Depois de 21 anos do dispositivo constitucional que institucionalizou a APA-Marajó, o Estado do Pará criou o Parque Estadual Charapucu; a 21ª unidade de conservação por ordem cronológica sendo a primeira, em 1989, conforme supracitado. O parque está dentro do espaço fisiográfico da APA, no município de Afuá, e tem potencial de constituir elo de ligação com o Corredor da Biodiversidade do Amapá, na margem esquerda da foz do rio Amazonas. Visa à preservação de ecossistema de incomparável beleza paisagística selvagem, realização de pesquisas científicas, desenvolvimento de turismo ecológico de base comunitária e educação ambiental; conforme decreto nº 2592, de 09/11/2010. A Unidade de Conservação possui área de 65.181,94 ha e está sob gestão da Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema), para administrar e presidir o conselho consultivo e também adotar medidas necessárias à efetiva proteção e implantação do Parque de Charapucu.

O Parque faz parte de um conjunto de quatro unidades de Conservação da Natureza de Proteção Integral no Arquipélago do Marajó e é a primeira zona núcleo da futura Reserva da Biosfera do Marajó. A Reserva da Biosfera será composta por 12 municípios totalizando cerca de 333 mil habitantes, numa área maior do que o estado do Rio de Janeiro, o principal objetivo do Parque Estadual Charapucu é impulsionar o projeto da Reserva da Biosfera da Amazônia Marajó. Caracterizado por ecossistema de várzeas e igapós integralmente preservados com áreas nunca exploradas, apresenta características puramente amazônicas. Na área, podem ser encontrados rios de águas brancas barrentas por influência do rio Amazonas e rios de águas pretas, que descem dos campos alagados da ilha do Marajó.
Bioma costeiro amazônico e único lugar onde ainda há encontro das espécies de peixe-boi amazônico e marinho. O Parque possui áreas de muito difícil acesso, totalmente isoladas e preservadas, com recursos biológicos intactos. Cercado por 35 comunidades tradicionais, o parque foi criado com adesão dos habitantes da localidade, que serão assistidos pela gestão do parque através de projetos de desenvolvimento local sustentável.

Antes do governo do Estado criar a APA-Marajó, em 1989, o município de Salvaterra antecipou-se na criação da Reserva Ecológica da Mata do Bacurizal e do Lago Caraparu, através da lei municipal nº 109, de 19/06/1987: exemplo que deveria ser seguido por outros municípios. Todavia, a Floresta Nacional de Caxiuanã é a mais antiga unidade de conservação da mesorregião do Marajó, criada pelo decreto federal nº 239, de 28/11/1961; a floresta é gerida atualmente pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), localizada na baía de Caxiuanã ela abrange os municípios de Portel, Melgaço, Gurupá e Porto de Moz. Na Floresta Nacional de Caxiuanã, área do município de Melgaço, se acha a Estação Científica Ferreira Penna vinculada ao Museu Paraense Emílio Goeldi, com 33.000 ha, objeto do Convênio IBAMA/CNPq/MPEG nº 065/90, publicado no DOU em 10/07/90.
Espera-se que com a possível aceitação pela UNESCO da candidatura da Reserva da Biosfera Amazônia Marajó, a Estação Científica Ferreira Penna e a Floresta Nacional de Caxiuanã venham a receber reforço de meios para desempenhar papel de grande relevo no conjunto de unidades de conservação que ora estamos a descrever.


Dentre as mais UCs, destacamos a Reserva Extrativista Marinha de Soure, primeira desta categoria em toda Amazônia. Esta Resex de gerência do ICMBio foi criada por decreto federal, sem número, datado de 22/11/2001, publicado no DOU de 23/11/2001. Um exemplo de resistência e luta das populações tradicionais da pesca artesanal frente à intolerância e desconsideração de uma história que vem da época colonial com o cativeiro dos índios Maruaná (“maruanazes”) no Pesqueiro Real (patrimônio da Coroa) para pescaria e defumação de peixes transportados a Belém para pagamento de soldos, vencimentos e côngruas com que a colônia sustentou tropas, servidores públicos e padres. Parceria entre Prefeitura, Resex e o campus da UFPA no Marajó poderia incentivar o ecoturismo de base comunitária, com potencial para observadores de pássaros em ninhais na Ponta do Maguari, inclusive.

Do mesmo modo, a Reserva Extrativista Mapuá desperdiça oportunidade de parceria estratégica com os campi da UFPA e do IFPA , Prefeitura Municipal de Breves e Museu Paraense Emílio Goeldi: acredito que o ICMBio deveria ter a iniciativa neste sentido contrariando críticas gerais que regularmente se faz nos municípios a respeito da falta de diálogo entre UCs e população de vizinhança. Em todo estado falta interesse acadêmico sobre a histórica pacificação dos índios “nheengaíbas” [Marajoaras], que segundo carta do padre Antônio Vieira datada de Belém a 29/11/1659 destinado à regente do reino de Portugal, teria tido como cenário o “rio dos Mapuases” [Mapuá].

O alto Mapuá, rio de água preta; constitui o chamado “apogeu igapóreo” mencionado por Eidorfe Moreira em sua obra “O igapó e seu aproveitamento”. Neste sentido, o Braço Esquerdo do Mapuá poderia vir a ser uma das áreas-núcleos da futura Reserva da Biosfera Amazônia Marajó com seu entorno em parceria com a comunidade do Cantagalo: para isto o ICMBio precisa tomar iniciativa em direção à comunidade.

Na margem direita do rio Parauaú, microrregião de Portel, o município de Oeiras do Pará, antiga aldeia de Araticum; teve a criação da Reserva Extrativista Arióca Pruanã pelo decreto federal de 16/11/2005 (DOU 17/11/2005). O município de Gurupá apresenta a modalidade de Reserva de Desenvolvimento Sustentável Itatupã-Baquiá, com 64.735 há, criada por decreto federal de 14/06/2005 (DOU 15/06/2005), uma combinação com ênfase na pesquisa em parceria com a comunidade tradicional. Mais recentemente, deu-se a criação da Resex Terra Grande – Pracuúba em 05/06/2006 (DOU 06/06/2006) com 194.695 há nos municípios de Curralinho e São Sebastião da Boa Vista.

Por decreto de 30 de novembro de 2006 (DOU de 1º/12/2006), foi criada ainda a Reserva Extrativista Gurupá-Melgaço, nos municípios de Gurupá e Melgaço, com área aproximada de 145.297,54 ha. A Resex tem por objetivo proteger os meios de vida e a cultura da população extrativista residente na área de sua abrangência e assegurar o uso sustentável dos recursos naturais da unidade.

Além destas reservas extrativistas temos ainda terras de quilombo e comunidades ribeirinhas dotadas de autorização de uso de terras públicas e plano de manejo comunitário. Este enorme espaço territorial poderia ser objeto de uma inovadora política socioambiental casando economia solidária e trade, sem preconceito. Os próprios cabocos, ao contrário do que pareça, não se opõem a parcerias com fazendeiros e empresários: o que falta é que o poder público seja árbitro e parceiro institucional para contrabalançar o peso dos antigos senhores e dando fim ao caduco regime de sesmaria dos barões de Marajó.

O sofrimento dos antigos escravos pode ser visto no Museu do Marajó sob forma de uma cultura de resistência, tanto do índio quanto do negro até a astúcia de seus descendentes chamados “caboclos” pelo dominador “branco” não necessariamente étnico, mas seguramente representante de estamento social opressor pouco consciente de parte a parte. Foram muitas décadas de fuga das senzalas ou retiros para quilombos inseguros no período colonial e do Império que ainda hoje não acabou completamente. Pela ótica da elite paraense, a Ilha do Marajó é paraíso da invejada minoria de fazendeiros. Por outro lado, um território devastado com forte desigualdade social, onde comunidades tradicionais como os quilombolas estão cercados por terras de fazendas improdutivas e decadentes. Prejudicados em seu direito de ir e vir que testemunham condições análogas à velha escravidão de seus antepassados.

Pior que a pecuária extensiva e o latifúndio improdutivo cujas cercas vão da cidade de Chaves, na costa norte, até ao lado oposto em Ponta de Pedras, é a chega da especulação do agronegócio, a contaminação da água superficial e do lençol freático por fertilizantes e agrotóxicos de fumigação aérea que os grandes arrozais de escala estão ameaçando com a chegada de forasteiros. Certamente, a invasão de arrozeiros deixará saudade dos fazendeiros, e os quilombolas e a população ribeirinha do Marajó serão as maiores vítimas junto com as aves envenenadas e extermínio anunciado de espécies de abelhas nativas polinizadoras da flora no especialíssimo ecossistema.
Se no vasto mundo tudo se relaciona e está interligado, imagina no bioma insular do estuário amazônico! Os problemas dos quilombolas da Ilha de Marajó vão desaguar nos subúrbios de Belém e pesar no orçamento urbano das mais cidades além da tolerância da sociedade e dos governos com o latifúndio improdutivo e a lentidão da titularização e regularização de terras.

Alguns “donos” de terra são tão pobres ou mais que “seus” moradores... Em junho de 2007, o grupo móvel de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) libertou 30 pessoas em regime de escravidão na fazenda Santa Maria, no município de Soure. O grupo cuidava da criação de búfalos e alguns dos trabalhadores moravam no local há 20 anos. Há proprietários que exercem profissões liberais e residem na capital do estado. Estes não dependem do resultado da fazenda para viver deixando-as entregues a feitores pouco ou nada capacitados e instruídos para as tornar lucrativas. As casas-grandes e retiros são como relíquias de família guardadas com ciúme, também há os mais dispostos a enfrentar os problemas e investir no turismo, mas também estes pouco inclinados a melhorar as condições de vida da população.

A organização social das comunidades tradicionais para empreender em economia solidária poderia, certamente, ser amparada pelo poder público e incentivada a estabelecer parcerias com empreendedores privados mediante sistema verificável e transparente para conquista de novos mercados. O melhoramento genético de búfalos para carne e queijo em pecuária familiar aberta ao turismo em fazendas-hotéis é bem um exemplo dentre muitas possibilidades. As 16 comunidades quilombolas concentradas, sobretudo, em Salvaterra e Soure, queixam-se de viver sem amparo da lei.

Aparentemente, a presença do Estado deveria facilitar a pacificação dos espíritos e incentivar a cooperação de vizinhança entre fazendeiros e comunidades. Entretanto, a ambição pelo voto popular por uma parte e influências familiares nos aparelhos de governo agravam conflitos históricos. Assim, fazendeiros que oferecem serviços turísticos e conservam o meio ambiente reclamam da caça ilegal em suas propriedades praticadas por quilombolas e usuários de reserva extrativistas. Inversamente, estes últimos se dizem perseguidos pelos proprietários vizinhos e impedidos de transitar por trilhas costumeiras através das fazendas.

Pode-se dizer, então, que existe a privatização da paisagem natural e que esta deveria antes ser recurso para melhoria do IDH da ilha, em sentido amplo; a começar de uma efetiva educação patrimonial donte a natureza está implícita. Seria ingênuo acreditar que costumes seculares de confronto não predispõem a conflitos de hoje que se agravam e vão repercutir ao largo da ilha na formação de quadrilhas de roubo de gado, ataques piratas a embarcações que atravessam a baia com passageiros. Verdade ou boato, correm informações entre os excluídos que fulano ou sicrano, “pai de família levou um tiro por se encontrar pescando pra matar a fome num igarapé dentro de tal ou qual fazenda”. Reina desconfiança nas relações entre fazendeiros e comunidades vizinhas, e portanto o turismo que poderia ser um empreendimento bom para todos se torna num elemento a mais de apartação e ressentimento.

Seria excessivo falar em “apartheid” na ilha do Marajó? O romanceiro de Dalcídio Jurandir construiu a metáfora da “cerca” que isola a população pobre da pequena vila na beira do rio Arari dos campos de Cachoeira com suas orgulhosas fazendas. Decorridos setenta anos do primeiro romance, em Salvaterra o vilarejo de Bacabal vive cercado e obrigado a pedir passagem pelo portão da fazenda vizinha. Segundo moradores o portão e a cerca se situa rente às casas impedindo os quilombolas transitar entre Bacabal, Pau Furado e Bairro Alto, impedidos inclusive de visitar seu cemitério que ficou dentro da fazenda. Aqui só um exemplo remanescente do antigo regime que imperou outrora na grande ilha: forte motivo de impedição do desenvolvimento territorial sustentável.

Quem entrevistar qualquer proprietário de fazenda, certamente, ficará surpreso com relato de ingratidão dessa gente, donde inúmeros compadres, madrinhas, afilhados e afilhadas. Um sociologia complicada que não está ao alcance de amadores, mas esconde a possibilidade de enorme sucesso sob condição de que entre tais comunidades apareça um bom discípulo de Nelson Mandela, que infelizmente ainda não deu nenhum sinal a se tirar pelos comunitários que ascenderam na vida social e bem cedo se tornaram tão “brancos” quantos outros mandados vivos ao Diabo, conforme o lendário popular em todo arco da colonização, das Antilhas e Amazônias.

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