segunda-feira, 30 de agosto de 2010

utopia selvagem

>
a civilização ocidental começa da mitologia da Mesopotâmia com a estória do Jardim do Éden e depois conquista e colonializa toda Europa para através desta lançar-se sobre mares do mundo distante até os confins da Terra plana. A teoria heliocêntrica produziu um terremoto mental na dita civilização, mas ela é recente e o espaço curvo da teoria geral da relatividade uma novíssima revolução que a média da população ainda não assimilou. Assim, o tempo arqueológico - vasto rio subterrâneo - de vez enquando aflora na memória como que nem vulcão que emergem do inconsciente coletivo.

quando menos se espera, por exemplo, a Utopia edênica rebrota. O bom selvagem tupi que ficou famoso pela busca através da guerra da mítica Yvy Marãey (terra sem mal) comparece de mil e uma maneiras diferentes: o lugar mágico onde não existe fome, trabalho escravo, doenças, velhice e morte. Toda sociedade moderna, semelhantemente às sociedades antigas, move-se em direção a metas coletivas para erradicar a fome,substituir o trabalho insalubre e rotineiro por máquinas, computadores e robôs; investir na prevenção de doenças; na longevidade com saúde e a fim de tornar o fenômeno da morte numa compreensão da vida mais profunda...

a história da Amazônia ainda reincide na ausência do lugar mítico (Arakyxawa / Araquiçaua) que a saga do bravo povo tupinambá notabilizou. No entanto, se como dizem os antropólogos não existisse a guerra precisava inventá-la: no caso da invenção da Amazônia portuguesa e, depois de 1823,Amazônia brasileira se não existissem arcos e remos tupinambás o nosso Brasil não chegaria ao "rio das amazonas".

agora a pergunta que não quer calar: sem o empolgante mito da Terra sem mal dava para imaginar o papel histórico deste povo guerreiro? Dá para acreditar que pobres e inferiorizados portugueses debaixo do domínio espanhol, na União Ibérica (1580-1640), teriam cacife para tomar o Maranhão (1615) e conquistar o Grão-Pará (1616-1659) sem a contraditória aliança com o inimigo tupinambá de outrora? A historiografia brasileira está apenas começando a rever dogmas coloniais fossilizados os quais mantiveram por tanto tempo as populações tradicionais à margem da História.

o matriarcado amazônico permanece vivo. A história da Casa das Canoas revela como a escravidão indígena transferiu do Rio Negro ao Pará significativo número de índios, que domesticados na missão de Murtigura (Vila do Conde), veio servir à Cidade e transformar-se em tapuio, para enfim constituir a massa caboca dos "tirados do mato".

a extensão universitária brasileira é extremamente tímida em informar à brava gente quem, de fato, ela é, donde veio e aonde ainda poderá ir em frente. Mas, a voz dos povos originais se levanta para mostrar rumos imprevistos nas augustas academias. A utopia selvagem, por exemplo, está muito mais dissiminada na velha terras dos Tapuias do que se imagina, antes mesmo que o primeiro buscador da Terra sem males tivesse posto o pelas paragens dos Tocantins. Veja a seguir:

As roças de mandioca: Uso da Cestaria Baniwa

Diariamente as mulheres baniwa das dezenas de aldeia do alto Içana e Aiari vão às suas roças arrancar raízes de mandioca brava (káini) para transformá-las em comida, aos costumes. Jornada duríssima. Levantam de madrugada, preparam mingau, servem aos filhos e aos maridos, apanham terçado e aturá (tsheeto) e seguem para a roça (kenike), a pé, de canoa.

Arrancar as raízes é tarefa especialmente pesada quando se trata de uma heéñami, roça velha, já encapoeirando. Mais fácil no caso de uma maaleri, roça madura ou walikawaire, roça nova.

Houve tempo, no começo do mundo, quando Kaali andava na terra, que as mulheres não sofriam no trabalho da roça e processamento da mandioca. Bastava marcar terreno e surgia uma roça. Bastava fazer o aturá e deixá-lo na roça a caminho do igarapé para se banhar, que ele ressurgia na comunidade, lotado de mandiocas já descascadas! As mulheres só faziam imaginar e tudo acontecia nos conformes, até mesmo beiju pronto para comer. Hoje os mais velhos ainda lembram das frases certas, orações evocativas para esses verdadeiros milagres. Mas a curiosidade dos humanos – que tentavam desvendar o que se passava nas roças de Kaali – estragou tudo e, aos poucos, foram sendo castigados, perdendo os privilégios, condenados a trabalhar duro. Os homens pagaram primeiro e houve um tempo em que a eles cabia o trabalho da roça e do processamento da mandioca. Dizem que foi nesse tempo que os homens ficaram com a parte interna do braço chata, de tanto raspar mandioca.

Mas o herói ancestral baniwa retomou a ordem, e a divisão sexual do trabalho foi instituída. No tempo de verão – de dezembro a março – derrubar e queimar, trabalho masculino; plantar e limpar, coletivo. Tudo que vem depois de nove meses, quando as raízes já estão maduras, é por conta das mulheres.

A lida da mandioca – das roças aos alimentos – toma a maior parte do tempo da vida das mulheres baniwa. Exige enorme esforço físico e habilidade.

Com a mandioca fazem farinha e beijus, indispensáveis na alimentação baniwa.

Para saber mais sobre o uso da Cestaria Baniwa clique aqui.

Fonte: http://www.artebaniwa.org.br/comousa2.html?item=3

Publicado em Cultura do meu povo, Içana, Manejo Ambiental, Povo Baniwa, Povos do Rio Negro
« Povo Kotiria: O ciclo da vida

Um comentário:

Unknown disse...

Parabéns pelo seu Blog é mmuito lega. Posso fazer link no meu?

abraços